Nada mais frustrante para um consumidor do que ter um serviço contratado e não ser executado. Muitos consumidores que adquirem a proteção veicular podem passar por este episódio e correr o grande risco de ter sua expectativa frustrada e muitas vezes de não recuperar seu bem após um sinistro.
Os últimos anos trouxe à tona diversas histórias de pessoas que contrataram o serviço de Associações de Proteção Veicular (APVs) e descobriram na hora do sinistro que foram enganadas. O assunto ganhou a grande imprensa e passou a ser comum em matérias mostrando o problema.
Em 2018, no Rio de Janeiro, as APV’s chegaram a ser relacionadas ao crime organizado, com denúncia de que cooperativas estavam participarem de um esquema que pagava resgate a traficantes e milicianos para recuperar veículos roubados.
Quando um carro da cooperativa era roubado e levado para as comunidades, a associação negociava com criminosos a devolução, pagando até R$ 8.000 para os marginais. Por não terem reserva de capital, essas empresas negociavam o resgate do veículo diretamente com os ladrões.
Diferença entre proteção veicular e seguro
A consultoria Ernst & Young fez uma pesquisa que foi apresentada no 21º Congresso de Corretores de Seguros para entender as Associações de Proteção Veicular. “O objetivo era entender o que é esse mercado, quanto vale e onde está e quantas empresas existem”, explicou Nuno Vieira, sócio da Ernest Young e responsável pelo estudo.
Não é de hoje que essas associações vêm confundindo as pessoas ao vender proteção veicular como “seguro”. “A proteção veicular é comercializada por cooperativas, sem apólice. O cliente assina apenas um contrato de responsabilidade e, assim, se torna um associado. Há rateio de sinistros, se der lucro, fica para a associação; o prejuízo é distribuído entre os associados”, explicou Vieira durante apresentação do estudo no Congresso dos Corretores em outubro, na Costa do Sauípe.
Como essas associações e cooperativas não estão autorizadas a comercializar seguros, não há qualquer tipo de controle técnico de suas operações.
Existe uma lista imensa entre a solidez do seguro e as fragilidades da proteção veicular. As seguradoras são regulamentas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) e por um conselho formado por representantes do Ministério da Economia e da Justiça. Já as associações não são fiscalizadas por órgãos governamentais e não seguem as normas e os prazos estabelecidos para as seguradoras.
A atuação dessas empresas prejudica o mercado de seguros porque lesa o consumidor e coloca em xeque a credibilidade das seguradoras que seguem regras, têm reservas técnicas e recolhem impostos.
Mercado de seguros lutando pela população
A pesquisa da Ernst & Young mostrou que 4,5 milhões de pessoas escolheram as Associações de Proteção Veicular (APV) para “proteger” seus veículos. As associações vendem a chamada ‘proteção veicular’ sem autorização e isso coloca consumidores em risco. Este tipo de serviço não há qualquer tipo de controle técnico de suas operações, a atuação dessas empresas prejudica o mercado porque lesa o consumidor.
A Susep também entrou para impedir a atuação dessas empresas. Em agosto, a autarquia multou a Associação dos Proprietários de Caminhões São Cristóvão (APROCSCE) no valor de R$ 3.721.800,00 e convocou a Associação de Proteção e Assistência Veicular Protection, a apresentar defesa no prazo de 30 dias em face da representação por atuar como seguradora sem a devida autorização legal.
Nos dois casos, o enquadramento foi feito com o que está previsto no art. 113 do Decreto-Lei 73/66 combinado com o art. 17 da Resolução 243/11 do CNSP, por infração ao Código Civil.
O Artigo 113 do Decreto-Lei 73/66 estabelece que “as pessoas naturais ou jurídicas que realizarem operações de capitalização, seguro, cosseguro ou resseguro sem a devida autorização estão sujeitas às penalidades administrativas previstas aplicadas pelo órgão fiscalizador de seguros, aumentadas até o triplo”. Essas penalidades incluem multas variando de R$ 10 mil a R$ 1 milhão.
Os prejuízos que as associações de proteção veicular têm causado a muitos consumidores pelo não cumprimento das garantias vendidas como “apólices de seguro”, impulsionou corretores e, agora, seguradoras a se unirem e ajudarem os consumidores.
Há tempos os corretores reclamam e denunciam essas empresas. O deputado federal Lucas Vergílio chegou a apresentar um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados (PPL 519/2018) para fixar normas para que as entidades que comercializam proteção veicular tenham as mesmas obrigações do mercado tradicional, para que a população não sofra com este tipo de serviço.
Lucas Vergílio já disse que o setor de seguros precisa repensar o segmento. “As seguradoras relutam em lançar produtos adequados e com preços mais compatíveis para as camadas da população mais suscetíveis ao canto da sereia das associações”.
As APV’s se organizaram e os corretores também. ”Enquanto elas passaram a atuar de maneira mais ousada com algumas patrocinando times de futebol, contratando garotos propaganda famosos, os corretores passaram a intensificar as denúncias nos ministérios públicos estaduais e federal e, também, nos Procon’s”, destaca o presidente da Fenacor, Armando Vergílio que ainda alerta: “são 4,5 milhões de consumidores que estão sendo enganados e R$ 2 bilhões de imposto que o governo deixa de arrecadar”.
Desde o primeiro mandato como deputado federal, Lucas Vergílio, alertava sobre o problema e dizia da necessidade da união do mercado para combater o problema. O deputado já afirmou que as APV´s cresciam.
A Ernest & Young identificou que as APV’s arrecadam — sem pagar impostos e produzir reserva técnica que serve para o desenvolvimento da infraestrutura nacional — algo entre R$ 7 e R$ 9 bilhões por ano. O valor corresponde a 27% de todo o mercado de seguros de automóveis do País.
Diante do avanço da atuação das associações e do uso das redes sociais para atrair o público, o presidente da Porto Seguro, Roberto Santos, defende que o mercado de seguros compartilhe de maneira mais eficaz com a sociedade as diferenças entre as duas modalidades. “A comunicação é a arma para combater. Precisamos mostrar as diferenças para a sociedade. Só isso”, afirmou.
Lucas Vergílio (Solidariedade-GO), disse que finalmente as seguradoras se importaram com o assunto. “Para mudar a cultura, temos que mudar a forma de abordagem deste tema. Não podemos falar de seguros como produtos financeiros. O impacto das associações de proteção veicular, como está hoje, é um problema fiscal, sócio-econômico e de segurança pública, porque fomentam o roubo e furto de veículos”, apontou.