Notícias | 20 de abril de 2023 | Fonte: Migalhas

Judiciário paulista profere decisões duras contra a fraude nos reembolsos de planos de saúde

Felizmente as rigorosas decisões tomadas no âmbito do Judiciário Paulista, ancoradas em judicioso precedente do STJ têm se mostrado fundamental para combater e quiçá pacificar a questão

É fato notório que o mercado de saúde suplementar se encontra em verdadeira guerra contra a prática que se convencionou denominar de “reembolso assistido”. Uma criação ilegal, que possibilita aos prestadores de serviços médicos auferirem lucros milionários (que jamais seriam atingidos caso atuassem dentro de sua finalidade).

Por meio desta prática, algumas clínicas e laboratórios anunciam em larga escala a realização de check up, sem a prévia consulta médica, atraindo os consumidores com a ideia de que não terão qualquer custo, já que este seria suportado pelo plano de saúde a que estão vinculados. Ou seja, mesmo não fazendo parte da rede referenciada, estas clínicas e laboratórios deliberadamente deixam de exigir o pagamento imediato pelos serviços prestados, distorcendo a sistemática e o próprio significado da palavra reembolso.

Além disso, solicitam indevidamente dados login e senha dos planos de saúde dos consumidores, para então, se fazendo passar por eles, emitirem pedidos de reembolso – embasados, na maioria das vezes, em desembolso simulado, que nunca aconteceu Assim, após o recebimento dos valores na conta dos consumidores, os prestadores emitem boletos bancários com o valor exato que foi reembolsado pelo plano de saúde ou solicitam o simples repasse do montante, por meio de transferência bancária, de modo que passam a auferir, indevidamente, valores exorbitantes. Algo que se equipara facilmente a um verdadeiro cheque em branco para pedirem o que quiserem.

Como forma de coibir esta conduta, a questão tem sido frequentemente levada ao Poder Judiciário. Enquanto, de um lado, sustenta-se que se trata de prática ilegal, por violar o disposto no art. 12, VI, da lei 9.656/98, em prejuízo ao mercado de saúde suplementar como um todo, no que se inserem os beneficiários, prestadores referenciados ao plano de saúde e as próprias operadoras; de outro alguns laboratórios e clínicas não referenciados aos planos de saúde buscam conferir uma roupagem de legalidade a tais atos, alegando que os consumidores realizam uma cessão de direito ao crédito em favor deles e esse seria um serviço que agrega valor ao atendimento, trazendo comodidade, por desburocratizar o sistema de reembolso das operadoras.

Atento a todo esse movimento, o Poder Judiciário do Estado de São Paulo vem se mostrando sensível à questão e reconhecendo a ilegalidade do aludido “reembolso assistido”.

Recentemente o e. Des. Fábio Quadros, integrante da 4ª Câmara de Direito Privado do e. Tribunal de justiça de São Paulo, ao conceder efeito ativo, em antecipação dos efeitos da tutela recursal, ao Agravo de Instrumento 2005035-04.2023.8.26.0000 – interposto contra decisão de primeiro grau que, apesar de reconhecer que a situação foge do habitual, relegou a apreciação da tutela de urgência para após o exercício do contraditório -, consignou em sua decisão que as condutas narradas “se comprovadas, a princípio, violam a legislação específica ao caso”, e o perigo na demora do provimento jurisdicional estaria “no fato de que a continuidade do procedimento eventualmente aplicado pelas agravadas trazem enorme prejuízo à agravante, bem como seus beneficiários e prestadores de serviços envolvidos.”

Também em sede de Agravo de Instrumento (autos 2050292-52.2023.8.26.0000) a 4ª Câmara de Direito Privado e. Tribunal de justiça de São Paulo, sob a relatoria do e. Des. Enio Zuliani, deu provimento ao recurso de operadora (inclusive com a determinação de arresto de bens do laboratório réu para assegurar a eficácia do provimento jurisdicional consubstanciado na restituição dos valores pagos indevidamente), invocando como fundamento a legislação vigente e a decisão monocrática referida no parágrafo anterior, para reconhecer que as provas dos autos “servem como indícios de irregularidades a permitir que a requerida se abstenha de manter contato direto com a operadora em busca de reembolso, porquanto qualquer impedimento ou obstáculo nesse sentido poderá justificar intervenção da agência reguladora (ANS).”

No dia 21/3/23 a e. Juíza Andrea de Abreu, da 10ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital – SP, após o aperfeiçoamento da fase postulatória, proferiu sentença nos autos do processo 1144247-82.2022.8.26.0100 (originários ao Agravo de Instrumento de relatoria do e. Des. Fábio Quadros mencionado alhures), fundamentando que “a solicitação de dados sigilosos dos pacientes, como login e senha do plano de saúde, colocam os consumidores em evidente desvantagem, que acabam vulnerabilizados no sigilo necessário de seus dados médicos.”. Ademais, esta conduta acaba “por desvirtuar o atendimento médico individual, transformando os pacientes em seres sem necessidades e características próprias.”

Por fim, ao deferir a tutela de urgência pretendida pela operadora de saúde nos autos da Obrigação de Não Fazer nº 1040914-80.2023.8.26.0100, o e. Juiz Carlos Eduardo Borges Fantacini, da 26ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital – SP, teceu severas críticas ao reembolso assistido, considerando “nítida a propaganda abusiva e enganosa utilizada, a venda casada, com a ilusória promessa de pagamento direto pelo plano de saúde, quando o sistema é o de reembolso, através de contratos claramente abusivos, que ferem o Código de Defesa do Consumidor e a boa-fé, pois no sistema de reembolso por óbvio primeiro o consumidor faz o pagamento, para depois ele próprio se ressarcir junto à seguradora de saúde.”

É importante destacar que apesar desta falsa comodidade oferecida por alguns laboratórios e clínicas encher os olhos dos consumidores, no frigir dos ovos mostra-se prejudicial a toda massa de beneficiários, integrantes do fundo mútuo administrado pelas operadoras. Isso porque, quanto maior for a sinistralidade provocada, maiores serão os reajustes para reequilibrar a base do negócio jurídico, implicando em indesejada seleção adversa,6 com a migração para o sobrecarregado Sistema Único de Saúde.

Se não bastasse, também se mostra uma prática absolutamente deletéria, perante a concorrência que atua dentro dos ditames estatuídos.

A prática, um verdadeiro embuste, de se alardear atendimentos por “convênios”, mediante o que se convencionou denominar de “reembolso assistido”, visa de um lado angariar clientela em massa e de outro permanecer faturando no limite máximo do reembolso contratual.

Eis, pois, a razão pela qual esta prática não apenas atenta contra o sistema de reembolso, como também representa prática comercial indevida, seja perante a operadora ou aos próprios concorrentes.

Conforme anotado com propriedade por Fabio Ulhôa Coelho “(…) não é simples definir os contornos dos meios inidôneos utilizados pelo concorrente que pratica ato de concorrência desleal genérica, posto que a finalidade do mesmo está intimamente ligada a conquista da concorrência alheia que também é inerente à concorrência lícita, sendo que será a idoneidade do meio utilizado que possibilitará a distinção entre o que se permite e o que se condena, na concorrência entre empresas”.

Bem se vê que, pela adoção de meio ilícito, a partir de uma agressão ao sistema de reembolso posto pelo direito em vigor, que estas clínicas e laboratórios que se propõe a trilhar tal caminho atravessam a tênue linha da livre concorrência e acabaram por praticar, em tese, atos verdadeiros da concorrência desleal.

Ainda há um longo caminho a ser percorrido até que esta prática oportunista seja extirpada do mercado de saúde suplementar. Felizmente as rigorosas decisões tomadas no âmbito do Judiciário Paulista, ancoradas em judicioso precedente do Superior Tribunal de Justiça, têm se mostrado fundamental para combater e quiçá pacificar a questão, na busca de solucionar a problemática da alta sinistralidade e seus reflexos negativos produzidos pela discussão travada nestes processos.

José Carlos Van Cleef de Almeida Santos, Henrique Pires Arbache e Felipe Martins Benite

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