Notícias | 20 de abril de 2023 | Fonte: Valor Investe

Inadimplência em alta reflete acesso e custos elevados de dívidas, em paralelo a renda restrita

A realidade atual do mercado de crédito é desafiadora, na medida em que os custos de capital subiram e a inadimplência continua em trajetória ascendente, em particular nos estratos de renda inferiores, no caso das pessoas físicas, e no segmento de pequenas e médias empresas.

Os dados referentes à situação dos consumidores mostram que o momento é realmente bastante delicado, com mais de 40% da base de clientes em atraso de uma ou mais contas, elevação de 7,5% da quantidade de pessoas com cadastro negativo e mais de 17% de alta no valor das contas, sendo a faixa etária entre 30 e 39 anos a que registra a maior incidência de inadimplemento nesse momento, acima de 47% da base.

Chama a atenção também a incidência crescente de inadimplemento acima de 90 dias, com crescimento de mais de 12% frente a 2022, o que caracteriza uma inadimplência que historicamente tem uma probabilidade menor de ser paga e recuperada parcialmente pelos credores. Quanto maior o tempo de atraso nas contas, menor a probabilidade de recuperação de recursos, sendo a transposição dos 90 dias um indicador de baixa chance de retomada da dívida.

Esse aumento de inadimplência deriva de alguns fatores, que passam por condição de renda e emprego e aumento no custo das dívidas, agravado por novos padrões de acesso e concessão de limites de crédito em múltiplos canais e instituições financeiras e não financeiras.

No que se refere a renda e emprego, o grande choque inflacionário ocorrido desde o período da pandemia vem corroendo o poder de compra de uma boa parcela da população, em particular das classes de menor renda, que são afetadas de forma assimétrica pela alta de custos dos alimentos e que não têm contrapartida de valorização de riqueza financeira, por terem menor capacidade de poupar do que as classes de renda mais alta.

Do lado do custo da dívida, houve importante reprecificação do custo de capital dos bancos e das empresas não bancárias que hoje dão financiamento a clientes para compra de seus bens, tais como varejistas e empresas de telefonia, entre outras. Com essa reprecificação do custo de capital, derivada da alta da taxa básica de juros de 2% para os atuais 13,75%, houve evidente elevação do custo de financiamento ao consumidor final nas diferentes linhas de crédito, agravada pelo próprio ambiente de alta de inadimplência, que são duas importantes componentes da formação de preço do crédito. Essa alta ficou ainda mais agravada nas modalidades de crédito sem garantia e com perfil de risco superior e limites pré-aprovados, tais como cheque especial e cartão de crédito.

Por fim, e não menos importante, houve uma abundância de capital disponível para crédito a consumidores e empresas que emergiram de um ambiente de juros baixos por um período prolongado, capital farto e algumas medidas regulatórias que facilitaram a entrada de novas fontes de financiamento tanto no mercado de crédito quanto no mercado de capitais, inclusive com alguma assimetria regulatória nos requerimentos de capital mínimo para novos entrantes em determinados segmentos.

Essa proliferação de fontes de crédito alternativas permitiu que empresas e consumidores tivessem uma ampliação de limites agregados de crédito na combinação das diversas soluções e múltiplas instituições operantes nos últimos anos. Não raro, empresas e consumidores, que há alguns anos se restringiam a operar com duas ou três instituições financeiras, passaram a trabalhar com mais de uma dezena de provedoras de diferentes fontes de crédito, cada qual liberando um limite individual para esse cliente que, no agregado, aumentou muito seu potencial de alavancagem e de endividamento.

O ambiente concorrencial mais acirrado é, a priori, excelente para redução de custos e de preço do crédito, beneficiando o acesso de consumidores e empresas a financiamento mais acessível. Entretanto, por essência, o negócio de crédito envolve riscos individuais em cada interação de tomador e provedor de crédito, mas também riscos agregados da interação entre os múltiplos agentes ofertantes e demandantes de crédito e as exposições conjuntas e sistêmicas desses agentes.

Na prática, o que se tem observado é uma tomada de crédito que avançou de forma crítica em alguns segmentos, em especial os de pessoas físicas e pequenas e médias empresas, com níveis de inadimplência crescentes que impactam não apenas o sistema bancário, mas também as empresas não financeiras que financiam seus clientes e fornecedores, atingindo algumas cadeias produtivas mais amplas que se autofinanciam e impactando, inclusive, na intensificação do número de recuperações judiciais nos últimos meses.

Esse cenário complexo será tanto mais difícil quanto mais duradouros forem os fenômenos de alta da inflação e dos juros básicos da economia. Aqui, talvez haja alguma luz no final do túnel, na medida em que os índices de inflação começam a arrefecer, a taxa de câmbio tem se estabilizado em nível mais apreciado com o avanço do novo arcabouço fiscal e há queda recente nas taxas de juros de médio prazo, que são um parâmetro original para o custo de crédito. Se esse cenário de estabilização macroeconômica se confirmar nos próximos meses, é possível que os desafios presentes passem a gradualmente se abrandar ao longo do segundo semestre, permitindo um melhor equilíbrio nos orçamentos de consumidores e empresas, hoje endividados, do final de 2023 em diante. Até lá, entretanto, o cenário provável é de continuidade no conservadorismo das concessões de crédito, tanto pelas empresas financeiras quanto não financeiras, contribuindo para uma atividade econômica ainda lenta nos próximos trimestres.

Estevão Scripilliti é diretor da Bradesco Vida e Previdência.

FAÇA UM COMENTÁRIO

Esta é uma área exclusiva para membros da comunidade

Faça login para interagir ou crie agora sua conta e faça parte.

FAÇA PARTE AGORA FAZER LOGIN