Notícias | 2 de fevereiro de 2021 | Fonte: G1

Empresário preso por fraude estava com ‘dublê’ do Exército; calote em seguradoras pode chegar a R$ 50 milhões

Polícia deflagrou operação em MS e também em MG e SP, ressaltando que a prisão do suspeito é “somente a ponta do iceberg” do esquema. Defesa diz “organização criminosa que se pulveriza em nome de laranjas”.

Caminhão apreendido em garagem de empresário preso e que seria do Exército, diz polícia — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Na análise das apólices o nome do empresário, de 48 anos, sempre estava lá: seja como dono do veículo, beneficiário ou então até ex-proprietário. Chefe de um esquema especializado em cometer fraudes e receber valores milionários das seguradoras, o qual, segundo a polícia é “somente a ponta do iceberg”, ele contava com apoio de uma organização criminosa e foi preso ao ter a prisão preventiva decretada pela Justiça, em Três Lagoas, na região leste do estado.

“A operação Porto de Areia foi desencadeada em torno de uma organização criminosa liderada por este empresário, que tinha histórico criminal envolvendo de roubo de veículos. Ele foi preso ao informar supostos roubos para polícia e depois receber o seguro das carretas. Tudo isso foi descoberto no final de 2020 e, em seguida, pedimos as prisões dos envolvidos”, afirmou ao G1 a delegada Ana Cláudia Medina, titular do Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Dracco).

Para colocar o veículo à disposição da frota da empresa, que atua no ramo de transporte de areia, o empresário contratava um motorista “para ganhar um dinheiro” e pedia a ele para fazer um percurso específico. Segundo a investigação, é neste momento que, enquanto o motorista estava em deslocamento, pessoas em um carro passavam e o avisavam que “havia algum problema no eixo traseiro do veículo”.

“É uma situação específica, então o modus operandi era sempre contar histórias deste tipo para a polícia. Na ocasião, diziam que o motorista parava, era rendido e levavam a carreta, porém, são veículos que nunca foram roubados, era uma falsa comunicação de crime. Em seguida, a carreta era recolhida por este empresário, tinha a numeração adulterada e virava outra para circular novamente, ou seja, de um caminhão ele fazia vários”, comentou Medina.

Com a mudança na cor, numeração e até no tipo de transporte, o veículo passava a circular novamente. “O grupo criminoso fez registro de carretas em Selvíria, Água Clara, Três Lagoas e, quando chegamos nesta descoberta, verificamos que o esquema também tinha membros em Uberlândia, em Minas Gerais, e em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. A investigação verificou inconsistências justamente no momento em que a documentação passava pela regulação na seguradora”, explicou a delegada.

Ação da Dracco contou com apoio de delegacias de MS, MG e SP — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Suspeitos mentiam na entrevista, diz polícia

Nestes casos, o motorista contratado era acionado para depoimento, bem como o próprio empresário. “Na hora da entrevista o motorista falava, por exemplo, que não tinha nenhum vínculo com o empresário, mas, os dois chegavam juntos. Falava que não conhecia mas o nome do empresário estava como beneficiário. E aí que verificamos que as carretas estavam dissimuladas em nome de outras pessoas, mas, ao final elas revertiam em benefícios para este empresário”, disse a delegada.

Diante aos levantamentos, a Polícia Civil apontou ainda que o empresário também usava notas fiscais de empresas de fachada, para dar origem a carreta, mas, assim que o documento era apresentado na seguradora, ele a cancelava para não ter mais “nenhum valor legal”. No caso destas notas, policiais foram pessoalmente nos endereços informados, os quais eram casas e os moradores disseram que “nunca ouviram falar” do empresário e nem demais suspeitos.

“Na documentação, até o endereço era fraudado. Nós então representamos no poder judiciário de Água Clara e a justiça determinou a prisão somente do líder, bem como deu busca e apreensão de celulares da organização criminosa que estavam aqui e em outros estados brasileiros. A partir daí, deflagramos a operação no dia 19 de janeiro deste ano e a força-tarefa cumpriu as medidas cautelares”, ressaltou a delegada.

Investigação apreendeu veículos adulterados

Ao chegar na garagem da empresa do suspeito, os policiais encontraram 11 veículos, todos com sinais de adulteração. “Nós também levamos o perito criminal e percebemos que, na verdade, ali nenhuma carreta estava com sua origem verdadeira, existiam indícios de adulteração e a gente não sabia a origem, então, todas ficaram apreendidas”, comentou.

Entre os veículos, ainda conforme a polícia, estava um caminhão basculante, alterado e já com adesivo da empresa do suspeito. “Revelamos o chassi de cada e um deles apontou para um veículo oficial do Comando do Exército em Brasília. Entramos em contato e eles confirmaram, mandaram documentos, apontando que aquele caminhão no estacionamento da empresa estava na frota do empresário desde 2016 e agora teremos essa segunda vertente para entender o motivo de um veículo da frota oficial do Exército estar ali”, argumentou.

Veículo apreendido na garagem do empresário preso e que passou por perícia em MS — Foto: Polícia Civil/Divulgação

A polícia também ressalta que, não só neste caso como em outros em que os suspeitos usam a numeração de veículos com restrição para fazer alterações, o prejuízo calculado pelas seguradoras é de cerca de R$ 50 milhões. “Estamos falando de pessoas que acabam enriquecendo ilicitamente e, usando de forças policiais, noticiam falsos crimes e trazem carretas de estados diferentes e geralmente são veículos com alguma restrição de roubo/furto. Agora é necessário entender como os criminosos tinham acesso a dados oficiais da marinha, exército, forças armadas, aeronáutica e da segurança pública”, disse Medina.

Advogado fala em prejuízo milionário para seguradoras

O advogado Aristides Zacarelli, que é assistente de acusação contra este empresário, com cinco casos nas seguradora Mafre e Allianz, além de atuar com um dos defensores da Federação Nacional das Seguradoras (Fenseg), ressalta que a estimativa de prejuízo calculado por esta modalidade de fraude é de R$ 30 milhões a R$ 50 milhões.

“Somente aqui no escritório onde atuo, em São Paulo, temos de 50 a 60 casos semelhantes. No caso deste empresário, haviam 5 apólices de um caminhão, três de semi-reboque e o último de uma máquina de esteira. A investigação fez com que ele deixasse de receber cerca de R$ 1,2 milhão. Neste caso, é uma organização criminosa que se pulveriza em nome de laranjas, mas, o nome dele sempre aparecia de alguma forma, como beneficiário, no processo chamado regulação de sinistro”, explicou o advogado.

Conforme o advogado, é neste momento que a polícia foi acionada e, em novembro de 2020, houve a deflagração da operação.

“Ao meu entendimento esta é uma fraude que não pode ser consumada sem a participação de agentes públicos. Não existe esta possibilidade, principalmente no caso de agentes de trânsito, já que, o que temos detectado, é que normalmente são caminhões roubados e, ao invés de montar um dublê em cima de uma caminhão, pega um que foi exportado, um que é do Exército ou um de pedreira por exemplo, o que já demonstra uma possível falha na base de informações nacional”, argumentou.

Por conta disso, o golpista consegue “montar a documentação de um veículo que não está nem no Brasil”. “Há poucos dias recebi a informação de um veículo apreendido em Minas Gerais, do mesmo modus operandi, sendo um dublê do Exército que foi importado e está rodando no país. Mas, se for consultar, ele está em Israel. O que nós deduzimos é que golpistas estejam recebendo informações privilegiadas de montadoras, então, não é algo que ocorre somente em Mato Grosso do Sul, mas, em todo o país”, ressaltou.

Por fim, o criminalista aponta que as seguradoras, assim como os bancos, são consideradas instituições públicas. “As pessoas pagam todo mês para o seguro de bens, da própria vida e elas [seguradoras] administram o recurso de terceiros. Então, o gestor precisa estar muito atento, já que os recursos são dos clientes que pagam regularmente. Não é um prêmio, por exemplo e até por isso existe um cálculo feito após questionário, em que a seguradora quer saber se o veículo tem garagem por exemplo, estudos com probabilidade em que se presume a boa fé entre as partes”, pontou.

Quando o crime ocorre, há o desequilíbrio. “Aquele que não frauda também pode ser lesado, então, este tipo de operação é fundamental para proteger aquele que receberá regularmente sua indenização regularmente, então, é um mercado regulado e o gestor dessa instituição tem a obrigação de zelar e comunicar as autoridades competentes nestes casos”, finalizou.

Operação Porto de Areia

No dia 19 de janeiro deste ano, o empresário, morador de Três Lagoas, na região leste do estado, foi preso após ação do Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Dracco). Além do mandado de prisão preventiva, também foram cumpridos mais 8 mandados de busca e apreensão.

A investigação aponta que o grupo, chefiado pelo empresário, era especialista em fraudes para o recebimento de indenização ou valor de seguro e outros crimes. Além de casas, os alvos também foram empresas em Três Lagoas, além de Água Clara e, simultaneamente, equipes também cumpriram mandados em Uberlândia (MG) e São José do Rio Preto (SP).

Até o momento foram apreendidos diversos veículos com indícios de adulteração outras suspeitas. Os policiais também localizaram uma arma de fogo do tipo pistola, em desacordo com a legislação e ainda apreenderam montante em dinheiro, cuja origem deverá ser demonstrada.

Coordenada pelo Dracco, a ação também contou com apoio das delegacias de Três Lagoas, Água Clara, Selvíria, Uberlândia e São José do Rio Preto, além do perito do Instituto de Criminalística.

Policiais cumpriram ao todo 8 mandados de busca — Foto: Polícia Civil/Divulgação

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