Notícias | 31 de outubro de 2023 | Fonte: Folha de São Paulo

Seguros agrícolas vivem queda no país em meio às incertezas climáticas

Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural completa 18 anos com previsões de seca e chuvas acima da média

Cada etapa da agricultura, desde o plantio das sementes até as colheitas, requer atenção meticulosa e um investimento significativo de tempo e recursos. No entanto, mesmo com todo o preparo e precauções tomadas, as atividades no campo seguem permeadas por níveis significativos de incerteza e sorte, com a produção sujeita a fatores como secasinundações, chuvas de granizo e muitos outros.

Essa incerteza impacta a maneira como os produtores conduzem o trabalho. Há um risco substancial associado tanto à quantidade produzida quanto aos preços. A agricultura apresenta flutuações frequentes da negociação de contratos futuros de commodities em bolsas. Além disso, há um notável lapso de tempo, entre o momento do plantio e o da venda após a colheita.

Por isso, o seguro rural é um importante mecanismo na mitigação de riscos do setor. “O produtor hoje tem um pacote tecnológico muito bem desenvolvido, ele tem a gestão, que melhorou muito. Mas a questão de como gerir o risco é algo que temos poucas opções no Brasil. Quando falamos de clima, a única proteção efetiva que temos é o seguro”, avalia Bruno Lucchi, diretor-técnico da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

O seguro atua como uma solução de caráter preventivo, com o potencial de incentivar o crédito agrícola, e sua indenização mantém o fluxo de caixa, a capacidade de acesso ao crédito e a estabilidade patrimonial dos agricultores.

O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) completa 18 anos em 2023. Desde 2005, o PSR é gerido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), por meio do Departamento de Gestão de Riscos da Secretaria de Política Agrícola (DEGER/SPA). O subsídio é concedido sob a forma de redução nos prêmios, em que os agricultores pagam uma parte, enquanto o governo cobre uma porcentagem significativa do valor total.

Segundo dados atualizados do Sistema de Informação da Subvenção ao Seguro Rural (Sisser), o valor total segurado em 2023 supera os R$ 38 bilhões, com um prêmio total de R$ 3,9 bilhões pagos de subvenção. No entanto, o custo do prêmio continua sendo um obstáculo significativo. Para alguns agricultores, o valor pode ser proibitivamente alto mesmo com o subsídio, tornando-o inacessível. Além disso, os dados demonstram um recuo do seguro agrícola em todo o país entre 2021, quando teve seu melhor ano, e 2023.

Segundo o Sisser, em 2023, apenas 68.035 produtores rurais asseguraram suas atividades, uma queda significativa em relação aos 119,96 mil em 2021. O número de apólices contratadas também sofreu uma drástica redução de 51,3% no mesmo período. A área total segurada despencou de 13,7 milhões de hectares, em 2021, para 5,47 milhões neste ano.

David Reghin é produtor rural e, há 8 anos, já realiza o seguro de aproximadamente 70% dos 380 hectares de suas propriedades no sul de Minas Gerais. Para ele, a opção por contratar um seguro aconteceu após observar uma maior frequência e intensidade de eventos climáticos que afetam a lavoura na região. “De uns anos para cá não é mais como na época do meu pai, que tinha as estações certinhas. Essas mudanças climáticas são cada vez mais cotidianas na vida do produtor rural”, ressalta.

Reghin já acionou o seguro em mais de uma ocasião e, atualmente, está recebendo uma indenização: “Não vai cobrir o meu prejuízo, mas vai amenizar, de alguma forma é bom ter”, avalia o produtor. “Seguro é um mal necessário. Hoje já está dentro do orçamento da fazenda, a gente já coloca o seguro e renova todo ano”, explica.

Na mesma região, o cafeicultor Flávio Ferraz relata que, com mais de 30 anos de experiência, não pensa em adquirir um seguro para suas propriedades que, juntas, somam 31 hectares. Flávio, que teve a lavoura afetada no último ano por chuvas de granizo e geadas, vê na adoção do seguro uma grande burocracia que, inclusive, tira a autonomia do agricultor. “Para eu receber um dinheiro para eu reinvestir na minha lavoura, eu ficaria na mão do seguro. (Sem seguro) Você toma a sua atitude baseado no que você pode e quer fazer, e te dá mais autonomia para tomar essa decisão”, justifica.

Seu incômodo se deve a análises feitas por técnicos no momento do sinistro, que orientam as medidas a serem tomadas nas áreas afetadas: “Ah, isso aqui é só um decote (tipo de poda). Eu não fiz decote nenhum, pulverizei com os defensivos corretos, hoje a lavoura está uma beleza, carregada de flores e estou preparado para o ano que vem. Com uma poda, por exemplo, eu esperaria mais dois, três anos para voltar a produzir”, reitera.

O Mapa solicitou a abertura de crédito suplementar ao Orçamento Geral da União (OGU) no total de R$ 500 milhões para a concessão de subvenção econômica ao Prêmio do Seguro Rural. A justificativa para esse pedido baseia-se nos sinistros ocorridos nas últimas safras, que resultaram em cerca de R$ 16 bilhões pagos em indenizações. Além disso, houve um crescimento significativo do valor médio das apólices de em consequência da elevação dos preços das principais atividades que impactam o PSR.

Dados históricos entre 2005 e 2023 revelam que a soja correspondeu a uma expressiva fatia de 43,4% das apólices. Mais ainda, em 2023, os grãos dominaram, representando 93,04% das atividades agrícolas seguradas. Segundo Lucchi, há uma necessidade em melhorar os produtos existentes e ampliar as cadeias atendidas. “Temos hoje muitos produtos para milho, soja, café e alguns tipos de fruta, mas, para alguns produtos, não tem nada”, avalia.

A distribuição regional também é desigual, com a região Sul liderando com 52,28% da área segurada, seguida pelo Centro-Oeste com 29,61%, Sudeste com 16,45%, Nordeste com apenas 1,19% e Norte com meros 0,44%. O PSR prevê o destaque de recursos exclusivos para fomentar a adesão de estados do Norte e Nordeste do país.

No entanto, há ainda uma necessidade de adequação dos produtos ofertados pelas seguradoras. “No Nordeste há pouquíssimas opções de seguro. Por exemplo, boa parte dos produtos para o Nordeste, os poucos que temos, não consideram seca, consideram geada. Qual a chance de você ter geada em uma região em que o maior problema é a seca? Ele não vai resolver”, explica Lucchi. As regiões Norte e Nordeste estão também entre as mais afetadas pelo fenômeno El Niño na safra de 2023-2024, com maior risco de estiagem e seca, especialmente no Matopiba.

Além disso, atualmente 13 seguradoras operam nesse segmento, porém, mais da metade das apólices, cerca de 52,5%, concentra-se na Brasilseg, uma empresa da BB Seguros, que abriga os negócios de seguros do Banco do Brasil. Esses números revelam a necessidade premente de uma maior diversificação e inclusão no programa de seguro agrícola, a fim de atender de maneira mais equitativa às necessidades dos agricultores em todo o país.

Bruno Lucchi, da CNA, reforça que outras medidas além da ampliação e direcionamento de recursos seriam importantes para estimular a cultura do seguro no país. “Algo que a gente tem pedido nas propostas de Plano Safra é que o produtor que tem seguro tenha um diferencial na tomada de crédito”, defende Lucchi. O argumento central seria de que um agricultor segurado ofereceria maiores garantias e lastro ao banco na tomada de crédito e que, por esse motivo, deveria ter certas vantagens.

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