“A crise climática vai piorar, junto com as perdas e as incertezas. Mas o setor de seguros tem o conhecimento desejado por todos nesse momento: o da gestão de riscos.” A fala de Ana Toni, diretora executiva da COP30, abriu com firmeza o painel “O papel do setor de seguros no enfrentamento da transição climática”, realizado nesta terça-feira (27) durante a Conseguro 2025.
O debate ocorre em um momento crucial: às vésperas da COP30, que será sediada em Belém (PA), e em meio à repercussão das recentes enchentes no Rio Grande do Sul. A discussão sobre o uso do seguro como instrumento de mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas ganhou protagonismo entre autoridades, especialistas e representantes do setor.
Custo da omissão já é alto
O deputado federal Fernando Monteiro (Republicanos-PE) foi categórico ao apresentar dados sobre os prejuízos enfrentados pelo país. “Nos últimos 10 anos, o Brasil teve R$ 782 bilhões em perdas por eventos climáticos, dinheiro que poderia ter sido poupado com um uso mais inteligente do seguro”, afirmou. Para o parlamentar, é preciso mais do que alertar: “é preciso tocar os corações” para despertar o senso de urgência.
Apenas em 2024, as enchentes no Rio Grande do Sul geraram R$ 100 bilhões em prejuízos, mas apenas 6% estavam segurados. “Isso significa que 94% das perdas ficaram fora da proteção securitária. É um gap enorme que precisa ser combatido com urgência”, destacou Edson Franco, presidente da FenaPrevi e moderador do painel.
Barreiras culturais e desigualdade
Segundo Pedro Farme de D’Amoed, CEO da Guy Carpenter, o conhecimento técnico para modelar riscos já existe no setor. O problema é a baixa adesão. “O gap de proteção no Brasil é de 95%. Nos EUA, é de 40%. Nossa média anual de prejuízos não segurados gira em torno de R$ 47,5 bilhões, o equivalente a 15% de todo o investimento em infraestrutura do país”, comparou.
D’Amoed apontou dois fatores principais para essa baixa penetração: renda média limitada e a falsa percepção de que o Brasil está a salvo de grandes catástrofes. “As enchentes no Sul aumentaram nosso déficit fiscal de R$ 1 bilhão para R$ 40 bilhões. A inação custa caro”, alertou.
Edward Lange, líder de estratégia do Grupo Sancor Seguros, acrescentou que a conscientização sobre o valor do seguro ainda levará tempo para amadurecer. “O problema é que os eventos climáticos extremos não vão esperar tanto tempo. A obrigatoriedade pode ser uma forma de acelerar esse processo”, disse, citando a lei italiana que exige seguro contra catástrofes para todas as empresas.
Integração com políticas públicas
Representando o governo federal, Cristina Reis, subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da Fazenda, defendeu que o seguro seja integrado às políticas climáticas nacionais. Ela citou instrumentos já em andamento, como a taxonomia sustentável, o mercado de carbono, os títulos verdes e o projeto do Fundo de Florestas Tropicais para Sempre.
“A crise climática atinge justamente os países mais pobres e as populações mais vulneráveis. O seguro pode ser uma ponte entre o setor financeiro e a proteção social. É essencial que ele participe das regulamentações em construção, como o Plano Nacional de Transformação Ecológica”, pontuou.
Ana Toni também destacou o convite ao setor segurador para colaborar nos 16 planos setoriais do plano nacional de adaptação que o Brasil levará à COP30. “Queremos transformar a COP em um espaço de implementação, não só de discursos. E o setor de seguros tem um papel central nisso”, reforçou.
Mobilização nacional
Para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas, os painelistas foram unânimes: será necessário um esforço conjunto. “É hora de um grande mutirão. A solução deve vir de todos”, disse Ana Toni. “Precisamos cruzar dados públicos e privados, promover seguros que incentivem planos de resiliência e mostrar que a prevenção custa menos do que o desastre.”
Fernando Monteiro revelou que tem defendido, no Congresso Nacional, o plano da CNseg para criação de um seguro social contra catástrofes. A proposta prevê uma cobrança entre R$ 2 e R$ 5 na conta telefônica, com indenizações entre R$ 4 mil e R$ 5 mil para famílias afetadas. Ele também sugeriu tornar obrigatórios os seguros para obras públicas. “Seguro é zelo com o dinheiro público. E precisamos de velocidade. O brasileiro tem pressa”, afirmou.
O tempo da ação é agora
O painel foi encerrado com um dado alarmante: entre 2013 e 2024, 94% dos municípios brasileiros declararam situação de emergência ou estado de calamidade por conta de desastres naturais. Em 2024, já foram registrados 1.690 eventos, uma média de quatro por dia.
“Estamos em uma crise climática que só vai piorar. O seguro é um dos principais instrumentos para enfrentá-la”, concluiu Ana Toni. Edson Franco finalizou com um apelo à ação: “É hora de trazer a expertise do setor para a realidade brasileira. Precisamos proteger não só vidas, mas o futuro econômico do país.”