Notícias | 29 de outubro de 2024 | Fonte: Folha de S. Paulo

Queixas contra planos de saúde quase quadruplicam em cinco anos

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) abriu no último dia 7 consulta pública para discutir diferentes temas envolvendo planos de saúde, desde a revisão das regras para incentivar a venda de opções exclusivamente ambulatoriais, sem direito à internação, até rever critérios de reajustes dos planos individuais e familiares para permitir que operadoras façam reajustes excepcionais.

A discussão ocorre em meio a uma crise no atendimento por parte dos planos de saúde. Entre 2018 e 2023, as reclamações contra o setor saltaram 263%, de 97.336 para 353.784, segundo levantamento feito pela agência a pedido da Folha.

O caso da Notre Dame Intermédica chama ainda mais a atenção: usuários registraram quase 49 mil queixas contra a empresa junto à ANS no ano passado. As reclamações contra a operadora dispararam 778% nos últimos cinco anos –em 2018, somavam 5.578.

Questionada pela reportagem, a Notre Dame não reconhece o aumento de 778% e indica alta de 153% nas queixas em outro intervalo (entre os meses de agosto de 2019 e agosto de 2024). Confira resposta abaixo.

ANS, por sua vez, acredita que o aumento das queixas possa ter relação com “o empoderamento e o maior entendimento dos beneficiários sobre seus direitos.”

A Amil liderou o ranking de queixas junto à ANS nos anos de 2018, 2019 e 2020. A partir de 2021, foi a Notre Dame Intermédica quem assumiu a dianteira na lista dos planos com mais reclamações do país.

Em fevereiro de 2021,a Notre Dame Intermédica anunciou a sua fusão com a Hapvida –outra campeã de reclamações junto à ANS, ocupando o “top five” das mais reclamadas nos últimos anos.

Na Hapvida, as queixas saltaram 488% entre 2018 e 2023, para 28.067. Juntas, as empresas lideram em número de clientes de planos de saúde no Brasil, com 7,5 milhões de vidas.

Fonte: Folha de S. Paulo

Os principais problemas enfrentados pelos usuários das duas operadoras (que hoje formam um só grupo) são os mesmos: regras para acesso aos atendimentos, prazos máximos para atendimento e rede de atendimento conveniada.

Concluída em dezembro de 2023, a união entre Notre Dame Intermedica e Hapvida não foi o único movimento recente de concentração no setor. Em fevereiro de 2022, houve a compra da SulAmerica pela Rede D’Or, que também anunciou em maio deste ano a criação de uma nova rede de hospitais com a Bradesco Seguros. Já em junho deste ano foi anunciada a fusão entre Dasa e Amil para formar a segunda maior rede de hospitais do país.

Em dezembro de 2023, a UnitedHealth Group havia acertado a venda da Amil para o empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp.

Na Amil, as queixas cresceram 74% entre 2018 e 2023, para 21.411. Na operadora, os principais problemas são regras para acesso aos atendimentos, reembolso e suspensão e rescisão contratuais.

Em resposta à Folha, a Amil disse que ampliou o número de procedimentos realizados desde 2019, que no ano passado somaram 80,2 milhões. “De janeiro a agosto do ano passado houve uma média de 0,005 reclamação por cliente junto à ANS.”

Já o grupo Hapvida afirmou, em nota, que nos últimos cinco anos acrescentou mais de 2,7 milhões de vidas à sua carteira de clientes e incorporou 18 operadoras. A empresa afirma que as reclamações subiram 153% entre agosto de 2019 e agosto deste ano, “um aumento proporcional no número de demandas, acompanhando a expansão da base de beneficiários.”

PROCESSOS CONTRA PLANOS TAMBÉM DISPARARAM ENTRE 2021 E 2023

O aumento das reclamações ocorre em meio à crise financeira vivida pela ANS –que está com dificuldades de pagar agências de viagem e os Correios, como apontou a Folha.

Na opinião da advogada Ana Navarrete, membro do CNS (Conselho Nacional de Saúde), a ANS já provou que tem dificuldades em impor uma regulação aos planos de saúde, tendo em vista não só o aumento das reclamações, como o avanço da judicialização.

Só os novos casos envolvendo reajuste contratual cresceram 137% entre 2021 e 2023, para 32.325, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Já os novos casos envolvendo tratamento médico-hospitalar atingiram 115.669 no ano passado, um salto de 83% sobre 2021.

“Existem práticas consolidadas no mercado que vão contra a regulação, como seleção de risco e exclusão de risco de vulneráveis [como o que envolve o tratamento de crianças autistas]”, diz ela. “Há um vácuo na governança da saúde suplementar e, no âmbito do CNS, se discute a criação de uma área no Ministério da Saúde que faça este ponto de conexão entre as questões envolvendo saúde pública e saúde privada.”

Como exemplo, ela cita a Secretaria de Vigilância Sanitária, responsável por formular as diretrizes da política de vigilância sanitária e acompanhar a sua execução por parte da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). “É preciso um ponto de contato junto ao Ministério, é difícil a ANS regular sozinha.”

No último dia 7, um relatório do banco Goldman Sachs, assinado pelos analistas Gustavo Miele e Emerson Vieira, chama a atenção para os efeitos do aumento da judicialização no negócio da operadora.

“Um dos principais pontos de discussão recente com investidores tem sido o alto nível de judicialização do setor (com o aumento do número de ações cíveis movidas por beneficiários devido a eventos assistenciais ocorridos durante o período de carência do contrato, ou cobertura de seguro mais limitada das operadoras, por exemplo) e como isso está impactando o provisionamento e o caixa da empresa”, diz o relatório.

Para o terceiro trimestre, os analistas esperam novas saídas de caixa devido à realização de mais depósitos judiciais, resultado de contingências civis contabilizadas ou não –com valores que variam entre R$ 110 milhões e R$ 140 milhões por trimestre, até o final de 2025, afirmam.

No balanço da companhia no segundo trimestre, a própria Hapvida chamou a atenção para o assunto, quando registrou R$ 195,1 milhões em depósitos e bloqueios judiciais no período, uma alta de 80% sobre o mesmo intervalo de 2023.

Segundo apontou no balanço, o valor se refere “a causas cíveis, cujos depósitos e bloqueios são reflexos processuais da crescente judicialização no setor”, além de causas relacionadas ao ReSUS (Ressarcimento ao Sistema Único de Saúde), “cujos depósitos são necessários para que a companhia realize sua defesa judicial sem a incidência de multa moratória e encargos”. O ReSUS ocorre quando o atendimento a usuários dos planos de saúde é realizado pelo SUS.

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