A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão federal ligado ao Ministério da Justiça, decidiu instaurar um processo administrativo contra 12 operadoras de planos de saúde por cancelamentos unilaterais de contratos e práticas consideradas abusivas. Duas administradoras de planos também foram incluídas no processo.
Segundo o documento, o procedimento foi instaurado em função do “aumento expressivo” do número de reclamações de usuários de planos por cancelamento dos contratos pelas operadoras. De acordo com o órgão, após análise das queixas, foi constatado que a prática é irregular e fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a regulamentação do setor.
“As operadoras notificadas têm utilizado lacunas contratuais ou interpretado normas de forma prejudicial ao consumidor para justificar rescisões. A análise aponta que os rompimentos unilaterais ocorrem sem justificativa plausível ou descumprem o princípio da continuidade do atendimento. Essas práticas provocam graves consequências, como interrupção de tratamentos essenciais e aumento da judicialização no setor”, diz a secretaria.
Foram notificadas as seguintes operadoras e administradoras de planos:
Amil
Unimed Nacional
Bradesco Saúde
SulAmérica
Hapvida NotreDame Médica
Porto Seguro Saúde
Care Plus
Golden Cross
MedSênior
Qualicorp Administradora de Benefício S.A
Allcare Administradora de Benefícios Ltda
Omint
Prevent Senior
Assim Saúde
Ainda de acordo com o órgão, as empresas serão notificadas e terão prazo para se defender.
O processo da Senacon considera não apenas as queixas do consumidores feitas ao portal Consumidor.gov e Procons, como também as notificações junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Segundo o órgão regulador, de janeiro a agosto, foram 11,7 mil queixas sobre rescisões unilaterais pelas operadoras. O volume é 24,4% superior ao registrado no mesmo período do ano passado. O pico das reclamações foram em maio, com 1.978 registros.
Naquele mês, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou um acordo com operadoras para que elas suspendessem cancelamentos unilaterais de contratos recentes de usuários em tratamento continuado.
Após o entendimento, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) orientou operadoras a suspenderem notificações de rescisão unilateral de planos coletivos por adesão de pacientes internados, em ciclo de terapia de câncer ou com transtorno do espectro autista (TEA) e transtornos globais do desenvolvimento (TGD).
Mas como mostrou O GLOBO, meses após o acerto, o país ainda registra casos pontuais de rescisão de contrato por iniciativa das empresas.
De acordo com a Senacon, além do alto número de queixas sobre cancelamentos, as rescisões dos contratos são comunicadas “em curto espaço de tempo”, prejudicando principalmente usuários com quadros de saúde que demandam assistência médica de longo prazo.
“Consta que a rescisão unilateral é comunicada em curto espaço de tempo, gerando transtornos aos consumidores posto que não haveria tempo hábil para a busca de alternavas para a contratação de novo plano de saúde, com risco de solução de continuidade de tratamentos em andamento, tais como câncer, autismo, bem como todas as situações que exijam prestação de assistência médica contínua”, diz o texto.
Até 82 mil planos cancelados
Antes de decidir se instaura o procedimento, o órgão notificou as operadoras e questionou quantos contratos cada uma delas tinha cancelado unilateralmente. As empresas também deveriam detalhar os motivos, quantos beneficiários atingidos estavam em tratamento médico, quantos eram idosos e quantos tinham transtornos de desenvolvimento, como Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Algumas operadoras não responderam se cancelaram contratos, caso da Amil, Assim Saúde, Golden Cross, MedSênior, Prevent Sênior, Omint, Care Plus e Porto Saúde. Já Unimed Nacional reconheceu que cortou 13 mil contratos coletivos, o que impactou 82.992 pessoas, sendo 2.382 com mais de 60 anos.
A Bradesco Saúde informou que suspendeu por iniciativa própria 2.232 contratos, mas não especificou o total de usuários, só que a maioria deles (23%) tinha até 18 anos. A Hapvida NotreDame informou que cancelou 68.980 contratos coletivos unilateralmente em 2024. A Sulamérica disse que desde o ano passado suspendeu 1.578 planos coletivos. Do total, 33 eram pessoas com TEA e 1.320 eram idosos.
A Qualicorp afirmou que as rescisões unilaterais de contratos ocorrem por iniciavas das operadoras de saúde e não pela administradora. Mas reconheceu que, em 2023 e 2024, foi notificada por 14 operadoras sobre a suspensão de 434 contratos, impactando 51.656 usuários.
O que dizem as operadoras
A Unimed Nacional disse por nota que “cumpre rigorosamente a legislação e normas que regem os planos de saúde”. Já a Porto Saúde afirmou que “atua dentro das regras estabelecidas nos contratos firmados com as empresas clientes observando as cláusulas contratadas”.
A Hapvida Notre Dame Intermédica afirmou em nota que não realiza cancelamentos unilaterais de contratos, “salvo nos casos previstos pela legislação vigente”, e que já encaminhou resposta à Senacon.
A Amil e a Assim Saúde afirmaram que se manifestarão através da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que está à disposição para esclarecer pontos relevantes sobre as operadoras de planos de saúde e as regras a que estão submetidas.
Já a Omint informou que não foi notificada, assim como a Allcare, que disse ainda que só poderá se manifestar após conhecer os termos do inquérito. A Care Plus disse que “cumpre todas as disposições legais e normas técnicas pertinentes ao setor” e a Prevent Sênior negou qualquer cancelamento unilateral ou irregular de contratos, “o que ficará comprovado na defesa já apresentada à Senacon”.
As demais empresas citadas foram procuradas mas ainda não responderam.
A FenaSaúde informa que suas associadas não realizam cancelamentos unilaterais ou em massa, mantendo o compromisso de oferecer serviços de qualidade a todos os seus beneficiários.