Considerado o maior sinistro climático da história do país, o desastre com as enchentes no Rio Grande do Sul provocou mudanças no mercado segurador brasileiro. O evento, que completa um ano nesta semana, forçou adaptações nos modelos de gerenciamento de risco e revisões em processos, como o atendimento a vítimas. Mais do que isso, escancarou a baixa penetração de seguros no país e a vulnerabilidade crescente diante dos efeitos da crise climática, que se agrava. De todos os imóveis afetados no Sul, por exemplo, apenas 10% contavam com algum tipo de cobertura. As informações são do site Valor Econômico.
Aproximadamente 58 mil avisos de sinistro relacionados às enchentes, resultando em aproximadamente R$ 6 bilhões em indenizações pagas ou provisionadas. 1 ano depois, houve um aumento na procura por seguros no estado, mas o nível de cobertura ainda é baixo como no restante do país.
“Temos uma sociedade extremamente desprotegida. Além das perdas humanas, é claro, é uma tristeza pensar que, dos R$ 100 bilhões de prejuízos econômicos provocados pelas enchentes, menos de R$ 10 bilhões estavam segurados”, diz Marcos Falcão, presidente do IRB (Re).
No início de 2024, o ressegurador estruturou uma área com dedicação exclusiva à pesquisa e ao desenvolvimento, com foco na análise de riscos climáticos. Um dos primeiros resultados é um relatório que será divulgado nesta sexta-feira (2) com uma análise técnica do ocorrido, a partir da reunião de dados e informações. “Queremos difundir conhecimento que ajude na análise de risco”, diz Falcão.
Uma das constatações do estudo foi a de que modelos tradicionais de risco, baseados apenas em dados históricos, apresentaram limitações significativas frente ao ocorrido, diz Carlos Teixeira, consultor à frente do IRB(P&D). “Isso evidencia a urgência de incorporar ciência climática e novas abordagens na metodologia atuarial”, aponta.
“O uso de dados climáticos deve ser parte central da gestão de riscos, além da adoção de uma gestão integrada de portfólio, já que um único evento afetou diversos ramos de seguro simultaneamente. Para isso, a colaboração entre seguradoras, resseguradoras e instituições de pesquisa é vital. Assim, aprimoraríamos modelos de catástrofe para prever eventos extremos com mais precisão”, diz Teixeira.
A contratação de seguro no Rio Grande do Sul aumentou após a tragédia. Nos produtos de proteção para condomínios, o crescimento foi de 47% no estado, até fevereiro deste ano, pouco abaixo da demanda por seguro habitacional, que aumentou 52%. Nas linhas de seguros empresariais, o avanço foi de 27%, segundo dados compilados pela Confederação Nacional (CNseg)
As seguradoras também relatam crescimento na busca por cobertura específica contra alagamentos, tanto para automóveis quanto para imóveis. “Há uma mudança na percepção dos consumidores sobre a necessidade dessas garantias, antes vistas como secundárias”, diz Gabriel Purkyt, sócio do Boston Consulting Group (BCG) especializado no setor.
Metade dos pedidos de indenização relacionados à tragédia referiu-se à destruição das casas: foram 29,7 mil sinistros avisados que somaram R$ 601,5 milhões. Em seguida, vieram os automóveis, com 30% das indenizações avisadas, somando R$ 1,22 bilhão. Em termos de volume financeiro, o maior impacto foi com os seguros de “grandes riscos”, que cobrem sinistros de alto valor e complexidade, geralmente para empresas. No total, foram R$ 3,2 bilhões em sinistros.
Sob o ponto de vista operacional, o episódio deixou algumas lições para as seguradoras. A primeira delas é que, em situações extremas, é necessário simplificar os processos, diz Dyogo Oliveira, presidente da CNseg.
O evento também ressaltou a relevância dos resseguros, que sustentaram a capacidade financeira das seguradoras ao absorverem grande parte dos sinistros pagos, diz Purkyt, do BCG. “Isso permitiu que as seguradoras mantivessem lucratividade, com a sinistralidade líquida atingindo o pico controlado de 55% em maio de 2024, pouco acima da média histórica”, diz. “Mesmo com o aumento considerável dos sinistros brutos, a participação do resseguro garantiu estabilidade financeira às seguradoras.”
Globalmente, estima-se que em 2025, as perdas seguradas por catástrofes naturais cheguem a US$ 145 bilhões, com crescimento anual de 5% a 7%, de acordo com estimativas recentes do Swiss Re Institute. No ano passado, foram US$ 137 bilhões segurados.
Um dos maiores temores do setor é que algumas regiões do país se tornem “inseguráveis” – ou seja, que o risco fique tão frequente, intenso ou imprevisível que as seguradoras não consigam mais calcular, assumir ou precificá-lo de maneira viável. Isso já ocorre em partes da Califórnia e da Flórida, nos Estados Unidos, onde várias seguradoras deixaram de oferecer seguros residenciais devido ao aumento dos incêndios florestais e furacões.
Para evitar esse cenário, as empresas atuam no incentivo às boas práticas de gestão de risco. Entre as estratégias sugeridas pelas seguradoras estão a maior aproximação com a academia, que produz conhecimento científico, e com o poder público. “É preciso transformar ações isoladas em uma agenda organizada”, resume Dyogo Oliveira.