Notícias | 1 de julho de 2025 | Fonte: Consultor Jurídico

A arbitragem no novo marco legal dos seguros

A Lei nº 15.040 de 2024 [1], o novo marco legal dos seguros, entrará em vigor em dezembro deste ano. O debate legislativo integrou diversos atores e possibilitou mudanças significativas para o setor, consolidando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

No que concerne especificamente à arbitragem, a lei inova e avança em dispositivos que dão tratamento diverso a certas questões tratadas na lei geral de arbitragem (Lei nº 9.307, de 1996), com as alterações incorporadas pela Lei nº 13.129, de 2015. Trataremos aqui, ainda que brevemente, desses dispositivos.

Iniciamos pelo artigo 35, que prevê, nos casos de resseguro, caber a cosseguradora líder substituir as demais na arbitragem. Trata-se de inovação que visa racionalizar o uso do instituto. Contudo, cabe ressaltar que o termo substituição está empregado no sentido leigo e não exatamente na acepção técnica (artigo 18 do CPC). A hipótese indica para uma posição de protagonismo ou liderança. Contudo, parece que as demais cosseguradoras não poderiam ser impedidas de participar da arbitragem, eis que se configura hipótese de verdadeiro litisconsórcio.

Ainda que se queira entender como uma hipótese de substituição processual, não custa lembrar que o artigo 18, parágrafo único, do CPC dispõe que o substituído pode intervir como assistente litisconsorcial. E mesmo que se argumente que o CPC não se aplica automática ou subsidiariamente às arbitragens — tese essa com a qual concordamos — as cosseguradoras poderiam participar como verdadeiras interessadas diretas e, portanto, litisconsortes, até mesmo em homenagem ao princípio do contraditório e ampla defesa.

O artigo 83 estabelece que, uma vez negada a cobertura, a seguradora só está obrigada a entregar documentos e demais elementos probatórios que sejam considerados confidenciais ou sigilosos por lei ou que possam causar danos a terceiros em razão de decisão judicial ou arbitral.

Nessa hipótese, poderá haver a necessidade da expedição de carta arbitral, na forma do artigo 22-C da Lei de arbitragem, combinado com o artigo 237, IV e 260, § 3º do CPC, caso a decisão arbitral não seja voluntariamente cumprida. Nesse caso, ao ingressar na órbita judicial, a carta será coberta pelo segredo de justiça, nos exatos termos do artigo 189, IV, do CPC.

No que concerne às questões processuais, o artigo 129 possibilita o encaminhamento dos conflitos aos métodos adequados de resolução de controvérsias e dispõe que a arbitragem será realizada no Brasil e submetida às regras do Direito brasileiro.

Mais uma vez o legislador inova. Tais restrições à livre manifestação de vontade das partes não encontram abrigo na atual legislação. Mesmo nas hipóteses que envolvem a administração pública, o § 3° do artigo 2° da Lei n° 9.307, de 1996 determina a arbitragem de direito (vedada a opção pela equidade), mas não impõe o uso de determinada norma material ou processual nacional.

A exigência de aplicação das regras do Direito brasileiro nos remete ao Projeto de Lei n° 2.486/2022 [2], que regula a arbitragem em matéria tributária e aduaneira. Contudo, parece óbvio que são hipóteses absolutamente diversas.

Desestímulo à prática

Também não consta do texto da Lei nº 9.307, de 1996 a obrigatoriedade de realizar o procedimento no Brasil. Essa exigência, aliás, é irrelevante, na medida em que o fator determinante para a caracterização da arbitragem como doméstica ou estrangeira é o local em que a sentença é firmada (artigo 10, IV c/c 26, IV e 34, parágrafo único, todos da referida lei).

Ademais, atualmente, com a utilização cada vez mais frequente dos meios eletrônicos para a prática de atos processuais, uma vez que as partes e o próprio árbitro estejam, muitas vezes, em diferentes países — até mesmo porque, em matéria de seguros, há o interesse de empresas multinacionais — o dispositivo gerará um desincentivo à realização de arbitragens no Brasil, o que será péssimo para o mercado nacional.

Somado a isso, no mesmo artigo 129, o legislador utilizou a expressão “submetida às regras do direito brasileiro” (grifo nosso). Essa redação poderá ocasionar a discussão se serão aplicadas tão somente as disposições normativas ou se incluirão, também, os precedentes vinculantes do artigo 927 do CPC. A questão é sensível e dela já nos ocupamos em outra oportunidade [3]. E aqui, uma vez mais, se adota dispositivo que só existe no referido PL nº 2.486, de 2022, que, repetimos, nada tem a ver com as questões de seguros.

O parágrafo único do artigo 129 estabelece a “divulgação obrigatória dos conflitos e das decisões respectivas, sem identificações particulares, em repositório de fácil acesso aos interessados”. A iniciativa é louvável, mas esbarra no princípio da confidencialidade, cânone maior da mediação e da arbitragem.

A norma é genérica e certamente carece de regulamentação adequada, sob pena de, novamente, gerar efeito colateral e inviabilizar o uso de tais ferramentas no Brasil. O dispositivo deveria, ao menos, tratar da anonimização, ainda assim, num mercado restrito, com atores conhecidos, seria muito difícil evitar a identificação dos envolvidos e do próprio litígio.

O artigo 130 prevê a competência absoluta da justiça brasileira para composição de litígios relacionados aos contratos de seguro. Trata-se de criação de mais uma hipótese de competência absoluta, além das que já se encontram no artigo 23 do CPC.

Não custa lembrar que nesses casos fica inviabilizada a eleição de foro e não pode haver a homologação de sentenças estrangeiras homologatórias de acordos nessa matéria. Trata-se de mais uma drástica redução à livre manifestação de vontade das partes. Será preciso observar, ainda, as disposições de direito intertemporal e a data exata de entrada em vigor da Lei nº 15.040 de 2024.

No último dia 23 de junho, a FGV Justiça [4] promoveu uma mesa-redonda sobre o novo marco legal dos seguros em que essas e outras questões foram abordadas por representantes de diversas seguradoras e outros representantes do setor. A mesa foi presidida pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), e representou uma prévia dos debates que serão continuados no Fórum de Lisboa.

FAÇA UM COMENTÁRIO

Esta é uma área exclusiva para membros da comunidade

Faça login para interagir ou crie agora sua conta e faça parte.

FAÇA PARTE AGORA FAZER LOGIN