O último exemplar da revista Reactions, especializada no mercado de seguros e resseguros internacional, apresenta uma capa sugestiva. Uma foto do jogador português de futebol , Cristiano Ronaldo, recém eleito melhor jogador do ano de 2008 pela Federação Internacional dos Jogadores Profissionais, com as mãos sobre o rosto – como a indicar um gesto de desespero – com o escudo do clube onde joga, Manchester United, coberto e o nome de seu patrocinador descoberto, a AIG. E a pergunta: Fim do jogo?
Sem dúvida, a crise do mercado financeiro internacional pegou em cheio o tradicional grupo segurador norte-americano AIG. Trata-se de um ícone do mercado financeiro mundial e uma das marcas mais conhecidas na indústria do seguro. Não obstante, o grupo que apresentou um lucro líquido de US$ 10,48 bilhões em 2005 e cujo preço da ação negociada em bolsa no mês de dezembro daquele ano era de US$ 68,23 chegou, em setembro passado, ao fundo do poço, perdendo 94,2% de seu valor de mercado já que o valor de sua ação era de US$ 3,15. Essa situação agravou-se ainda mais, chegando a ser negociada no pregão do dia 16 de setembro a US$ 1,25. Daí, então, ocorreu o impensável. Para evitar a quebra do grande conglomerado segurador, o Federal Reserve (o equivalente ao Banco Central dos Estados Unidos) fez um empréstimo com a duração de dois anos e meio ao Grupo AIG, no valor de US$ 85 bilhões. Resultado: sob os termos do acordo, o governo americano passou a deter 79,9% de participação no controle acionário do grupo e os juros cobrados serão de 8,5% acima da Taxa Libor (taxa de juros no mercado interbancário de Londres).
Mas, por que a AIG chegou a essa situação? Isso se deu porque uma de suas subsidiárias, a AIG Financial Products (AIGFP) subscreveu riscos em sua carteira de CDS (credit default swaps). É um produto que oferecia proteção contra o não pagamento de ativos ligados a títulos hipotecários e dívidas corporativas. Quando estourou a bolha dos empréstimos subprime (financiamentos hipotecários de baixa qualidade) a AIG foi intensamente afetada por essas operações que ‘micaram’.
Hank Greenberg, ex-executivo-chefe do Grupo AIG, clamou por um empréstimo-ponte para salvar a AIG. Greenberg conduziu o Grupo desde 1968 até abril de 2005, quando uma investigação do Procurador-Geral do estado de Nova Iorque, Eliot Spitzer, o fez afastar-se do comando, por acusação de que negócios de resseguro finito emitidos em favor da AIG pela General Re, em 2000 e 2001, foram realizados para aumentar os prêmios líquidos e as reservas do ressegurador. Porém, quando a ajuda veio, US$ 85 bilhões, isso mais parecia uma viagem espacial intergaláctica do que um empréstimo dessa natureza.
Martin Sullivan, que conduziu o grupo de abril de 2005 até junho de 2008, e Robert Willumstad, que foi seu executivo-chefe de junho até setembro deste ano, somente fizeram aumentar a exposição da AIG a tais negócios atrelados ao mercado ‘subprime’, jogando o grupo numa situação crítica com respeito a sua solvência.
Passado mais de um mês, chegam notícias de que a AIG já utilizou cerca de US$ 120 bilhões do empréstimo colocado à disposição pelo Federal Reserve, aumentando a preocupação dos compradores de seguros sobre o que vai acontecer proximamente com o Grupo.
Uma enquete citada pela Reactions com cerca de 1.000 gerentes de risco descobriu que cerca de 68% deles estão muito confiantes ou algo confiantes na condição financeira do Grupo AIG. Entretanto, 71% deles afirmaram terem obtido cotações junto aos competidores da AIG para a renovação de suas apólices.
Martin Emkes, diretor gerente do corretor Arthur Gallagher, em Londres, afirmou que seus clientes, de fato, não têm mostrado grande preocupação com a atual situação da AIG. Isto porque, argumentam eles, ‘agora a AIG é efetivamente de propriedade do governo americano e isso oferece a melhor ‘security’ do mundo’. O problema, disse ele, é que no futuro ela deverá ser separada e vendida.
Por outro lado, outros corretores confidenciaram que seus clientes, em especial aqueles que têm coberturas com prazos plurianuais, têm pedido para remover a AIG de seus negócios e procurar alternativas ao grupo segurador para as próximas renovações.
O fato é que o fim posterior dessa situação não trará o retorno à situação anterior. O novo executivo-chefe, Edward Lilly, nomeado pelo Federal Reserve, já declarou a necessidade de o Grupo “livrar-se” de subsidiárias para possibilitar o pagamento do empréstimo feito pelo banco. Entre tais subsidiárias está a Transatlantic Holdings, braço ressegurador do Grupo AIG.
Isso, sem dúvida, significará a absorção da resseguradora por uma de suas concorrentes e o resultado é óbvio, maior concentração de negócios nas mãos de poucos ‘players’, i. e., uma oligopolização ainda maior no já grandemente oligopolizado mercado ressegurador mundial.
Trata-se de uma situação verdadeiramente paradoxal. Hoje, a AIG tem como seu principal controlador o Tesouro Americano. Mas isso não é suficiente para tranqüilizar seus clientes e garantir que o grupo continuará suas operações no mesmo nível e peso que tinha até então.
Somente o desdobramento da crise financeira internacional vai nos indicar qual será o futuro do grupo AIG.