Notícias | 15 de janeiro de 2025 | Fonte: Folha de S. Paulo

TCU manda BC controlar seguro do Proagro pago indevidamente

Pequenos agricultores do sul do país já recebem mais do seguro do Proagro do que os municípios onde ficam suas propriedades via repasses da União. Auditores do TCU apontam irregularidades no programa federal, que indeniza produtores em casos de perdas na lavoura.

No fim de 2024, a corte de contas determinou que, em seis meses, o Banco Central e o Ministério da Agricultura criem mecanismos efetivos de controle. A recomendação foi dada pessoalmente ao presidente do BC, Gabriel Galípolo, há duas semanas, por Vital do Rêgo, presidente da corte de contas. Cabe à autarquia a execução e definição de diretrizes do programa e ao Ministério da Agricultura o monitoramento.

Em 2024, o Proagro pagou R$ 9 bilhões em seguros e 95% dos indenizados localizam-se no Paraná e no Rio Grande do Sul. Segundo auditores, essas supostas perdas não foram submetidas à fiscalização.

No relatório, eles afirmam ainda que, embora elas sejam atestadas por peritos, há conflitos de interesses. Em muitos casos, eles são próximos dos produtores e, diante das relações pessoais, assinam laudos supostamente inverídicos. Os dados apontam que 96,9% desse trabalho resultou em indenizações a serem pagas pelo Tesouro.

MAIS DO QUE AS TRANSFERÊNCIAS DA UNIÃO

Levantamento feito pelo Painel S.A. com base em dados do TCU mostra que, somente entre os 15 municípios do Paraná com proprietários indenizados por supostas perdas, 8 receberam mais dinheiro do Proagro do que a própria cidade via FPM (Fundo de Participação de Municípios).

O campeão é Verê, em que 3.351 contratos com sinistros registrados receberam R$ 276,5 milhões em cobertura, mais de 80% do valor garantido. Neste ano, o município deve ter transferências do FPM de R$ 17,5 milhões.

Em São João, cidade do Paraná em que 48 mil hectares de plantação estão amparados pelo seguro, as indenizações do Proagro garantem R$ 156 milhões aos agricultores, enquanto o município conta com somente R$ 25,7 milhões do fundo.

Essa situação já gerou alertas da corte de contas aos ministérios da Fazenda, da Agricultura e ao Banco Central. A auditoria mais recente, no fim do ano passado, determinou que sejam criados mecanismos mais robustos para fiscalizar essas ocorrências.

GASTOS EM ALTA

Ainda segundo os auditores, os valores gastos com o programa passaram de R$ 6 bilhões, em 2023, para R$ 9 bilhões, no ano passado, no momento em que o Ministério da Fazenda aperta o cinto para entregar a meta de déficit zero.

A concessão do crédito para a produção desses pequenos agricultores deve estar alinhado com orientações do Zarc (Zoneamento Agrícola de Risco Climático).

DIRETRIZ PARA REDUÇÃO DE RISCO NO PLANTIO

Lastreado por informações da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o Zarc é uma espécie de sistema que norteia quais as lavouras devem ser cultivadas em cada região e em que período para evitar insucesso.

O TCU verificou que, em diversos casos, agricultores indenizados infringiram essa regra, plantando grãos em áreas onde, dificilmente, prosperariam.

Em tese, diz a auditoria, essa irregularidade não poderia permitir que o crédito fosse concedido. Mesmo assim, diz o relatório, o produtor foi coberto pelo Tesouro.

Além disso, há o fator econômico que estimula as perdas. Em conversa com a Embrapa e com o BC, auditores do TCU descobriram que, “em muitos casos, [agricultores] dando prioridade à safra da soja, procuram semear o trigo logo no início das épocas de plantio e de forma concentrada, que predispõe esse cereal a risco mais elevado de geada”.

“Além disso, considerando-se que as culturas da soja e milho são mais rentáveis e, por isso, priorizadas pelos produtores rurais, e a cultura do trigo é normalmente mais exigente em manejo e menos rentável, esta última acaba recebendo menos cuidados, aumentando as chances de insucessos frequentes. Nesse caso, o Proagro está servindo como estímulo para a continuidade das perdas”, diz o relatório.

Ainda segundo o documento, essa situação pode estar ocorrendo com a cultura do feijão, onde a soja costuma ser a cultura privilegiada pelos produtores rurais.

PERÍCIAS

Para os auditores, o Proagro ainda é um programa extremamente “capturado” pelos produtores “não muito bons” e pelas instituições financeiras.

Foram identificadas 66 perícias realizadas em um único dia e peritos com média anual de seis perícias por dia útil, o que é considerado impossível pela corte de contas.

“Há risco de pagamentos indevidos pelos sinistros do Proagro, no caso de os peritos certificarem perdas inexistentes; risco de perícias ‘pró-forma’ realizadas apenas para validar o pagamento do Proagro”, diz o relatório.

Há peritos com mais de 750 perícias em um único ano, o que representa mais de três perícias por dia útil, trabalho implausível. Também há peritos que em mais de um ano apresentaram quantitativo exorbitante de perícias. Em todos os casos, os percentuais de deferimentos [de seguros] foram superiores a 96,9%.

“Não há, atualmente, supervisão e fiscalização efetivas do processo de comprovação de perdas do Proagro, o que amplia o risco de mau uso dos recursos públicos, com reflexos graves no orçamento público.”

O TCU afirma que, desde 2019, não vem sendo realizada a supervisão e fiscalização do processo de comprovação de perdas.

Consultados, os ministérios da Fazenda, da Agricultura não responderam até a publicação desta reportagem. O Banco Central não quis comentar.

Um comentário

  1. Alecio Antonio Petry

    11 de abril de 2025 às 9:04

    Você precisa estar logado para ler o comentário.

FAÇA UM COMENTÁRIO

Esta é uma área exclusiva para membros da comunidade

Faça login para interagir ou crie agora sua conta e faça parte.

FAÇA PARTE AGORA FAZER LOGIN