Nesta safra de verão, o produtor rural Wolfgang Graf, de Engenheiro Beltrão, município no noroeste do Paraná, foi surpreendido com o recebimento de um boleto de cobrança da apólice de seguro agrícola que havia contratado para 120 hectares de soja. O valor é referente ao subsídio oferecido pelo Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), que, desta vez, não contemplou o produtor. Essa é a primeira vez desde o início do PSR em 2006, que Graf não consegue acessar os recursos. Ele foi ouvido pela reportagem do Boletim Informativo da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep).
Por causa do financiamento, o produtor não teve escolha senão pagar a diferença. Além do gasto não planejado, Graf também reclama que a apólice encareceu e o nível de cobertura diminuiu em relação aos últimos anos. Nesta safra, a cobertura máxima garantida pela seguradora foi de 33 sacas por hectare. Em 2021/22, a mesma apólice contratada oferecia cobertura de 45 sacas por hectare.
“Além de subir o valor, ainda corre o risco de chegar a hora de colher e não ter subvenção. A gente conta com uma coisa e depois não tem. Eu sempre faço a solicitação com antecedência, mas este ano, infelizmente, não deu certo. É um custo a mais que eu não esperava”, lamenta Graf, que preside o Sindicato Rural de Engenheiro Beltrão.
Em 2023, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) teve disponível R$ 933 milhões para o PSR – menos da metade dos R$ 2 bilhões pedidos pelo setor produtivo, lembra a Faep. “Com esse valor, foram segurados 6,25 milhões de hectares, a menor área subvencionada pelo programa desde 2019. Se compararmos com 2021, maior cobertura atingida desde a implementação do PSR, com 13,69 milhões de hectares, a redução é superior a 50%”, destaca a matéria publicada nesta terça-feira (9/4) pela Faep.
O texto ressalta ainda que, além de insuficiente para atender à demanda, o montante disponível foi menor que o inicialmente divulgado pelo governo federal, de R$ 1,06 bilhão: “a situação foi agravada pela rejeição de solicitações de suplementação orçamentária, levando a cancelamentos de contratos e/ou onerando ainda mais os produtores que precisaram arcar com o valor integral das apólices”.
Em 2024, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a previsão é que o governo destine R$ 964,5 milhões para o PSR. A entidade avalia que, diante de um valor similar ao do ano passado e que se mostrou insuficiente – os recursos se esgotaram em setembro –, o cenário se mostra desafiador e preocupante para o setor produtivo.
“O produtor do Paraná é quem mais contrata seguro rural no país, resultado do nosso trabalho constante para difundir a cultura do seguro. Com o aumento da demanda, a expectativa era de que houvesse mais recursos para atender os agricultores, não apenas do Paraná. Infelizmente, não é o que vem acontecendo desde o ano passado, mesmo com os nossos pedidos de suplementação de orçamento”, adverte Ágide Meneguette, presidente do Sistema Faep/Senar-PR.
Restrição de acesso
Desde 2021, quando o PSR atingiu seu auge, cada vez menos produtores estão conseguindo acessar os recursos do programa. No Paraná, a contratação caiu de 82,26 mil para 36,91 mil apólices em três anos. No mesmo período, deixou de contemplar metade dos produtores – caiu de 41,6 mil em 2021 para 21,33 mil beneficiados na temporada atual. O tamanho de área segurada também seguiu a mesma tendência de queda, saindo de 3,84 milhões de hectares para 1,85 milhão de hectares.
“No ano passado, identificamos que cerca de 40% dos agricultores que contrataram seguro no inverno não tiveram subvenção. Foi a primeira vez em muitos anos que faltou subsídio para a safra de inverno. Para o verão, houve ainda menos verba”, elenca Joaquim César Neto, presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg).
Considerando os produtores que tiveram seus pedidos negados e acabaram pagando o custo integral da apólice, o mercado estima que o déficit no orçamento do PSR foi de R$ 500 milhões – R$ 150 milhões para as culturas de inverno e R$ 350 milhões para a safra de verão. Para este ano, o mercado espera que a demanda do programa seja de pelo menos R$ 2 bilhões – o dobro do orçamento previsto até agora.
Nos anos anteriores, as normas de destinação dos recursos de subvenção eram repassadas às seguradoras em fevereiro. Até março, data de fechamento da reportagem da Faep, a FenSeg informou que não havia definição do montante e dos valores a serem destinados aos diferentes grupos de culturas.
“Não sabemos se haverá recursos para as contratações já realizadas para a safra de inverno de 2024 e as que ainda serão contratadas. A previsão de que o orçamento será ainda menor em relação ao disponibilizado em 2023 é um mau sinal. O que fica claro é que o agricultor tem tido dificuldades de ser atendido pelo PSR”, comenta César Neto.
O texto destaca ainda que, considerando o mercado de seguro agrícola como um todo, ou seja, somando as apólices privadas e aquelas com recursos do PSR, também é possível observar uma queda na área segurada no país, ainda que em menor proporção. De acordo com dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep), no último ano, a cobertura total foi de 11,37 milhões de hectares, 30% a menos que o recorde de 16,27 milhões de hectares de 2021.
Isso mostra que outros fatores além do PSR influenciaram a menor contratação por parte dos produtores rurais no ano passado – aponta a entidade -, como margens de lucro reduzidas e eventos climáticos aquém do esperado. Os preços das commodities agrícolas vêm enfrentando uma queda acentuada desde 2022, impactando diretamente na receita dentro da porteira. Somado a isso, estão as próprias condições dos produtos das seguradoras, como elevação de taxas e menores níveis de cobertura ofertados devido à quebra da safra 2021/22 e a descapitalização ocasionada pelas sucessivas perdas.
“Não fazer seguro é uma decisão cada vez mais arriscada. Em caso de perdas, o produtor não terá outra saída senão renegociar suas dívidas. Neste cenário, o governo vai acabar pagando a equalização da taxa de juros dessas operações pelos próximos cinco anos. Então, a longo prazo, é muito mais vantajoso para o governo investir em recursos para o programa de subvenção”, afirma Luiz Antonio Digiovani, consultor em seguro rural.
Riscos para o produtor
A situação vivida pelo produtor de Engenheiro Beltrão se repetiu em diversas regiões do Paraná, conforme relatam fontes ouvidas pela reportagem da Faep. Em Piraí do Sul, nos Campos Gerais, João Honório Muller também teve o acesso à subvenção negado às vésperas da colheita, depois de já ter feito a contratação da apólice. Assim como o colega Graf, Muller recebeu um boleto com o valor da diferença a ser pago e não teve escolha, também por causa de um financiamento. O produtor era contemplado pelos recursos do PSR há mais de dez anos.
“O clima mudou muito, então preciso do seguro. De 2022 para cá, está chovendo mais. Nisso, o custeio do seguro também subiu bastante. A gente já veio com uma descapitalização das últimas safras, com os insumos caros. Não conseguimos nem repassar no preço do produto direito e agora os subsídios estão sendo tirados. Estou de mãos atadas”, frisa Muller.
Ainda que o seguro rural seja uma ferramenta indispensável aos produtores, principalmente diante do aumento da incidência de eventos climáticos extremos, muitos já demonstram desinteresse em fazer contratações para a safra 2024/25 se não conseguirem acesso à subvenção – avalia a entidade. Especialistas entendem que, apesar da demanda crescente, à medida em que não há recursos, o agricultor pode deixar de contratar.
Esse é o caso do produtor Carlos Eduardo dos Santos Luhm, de Guarapuava, nos Campos Gerais, que também enfrentou dificuldades no último ano. Na safra de inverno, ele conseguiu subsídio para os 100 hectares de trigo e 100 hectares de milho. No verão, não teve a mesma sorte. Dos 450 hectares de soja, foi liberada subvenção para apenas 200 hectares.
“Este ano, eu vou repensar. Se não tiver cobertura, nem me interessa. Sem subsídio, o custo eleva demais”, revela.
Melhores condições
Diante dos prejuízos por conta das quebras de safra, as indenizações pagas pelo seguro rural garantem a estabilidade financeira e a continuidade das atividades agrícolas frente a adversidades climáticas e outros riscos. No entanto, a alta sinistralidade da safra 2021/22 impulsionou os prêmios do seguro rural. Foram indenizados mais de R$ 7 bilhões em 2021 e, no ano seguinte, pela primeira vez na história, as indenizações superaram os R$ 10 bilhões, conforme dados da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).
No Paraná, um dos Estados mais afetados pela quebra, a sinistralidade disparou, registrando aumento de mais de 500% em 2021, com indenizações na ordem dos R$ 2,6 bilhões. Em 2022, os pagamentos foram ainda maiores, de R$ 3,2 bilhões.
“Com as indenizações, os produtores permanecem capitalizados para pagar seus financiamentos e continuar na atividade, garantindo a produção agrícola nas próximas safras”, aponta Digiovani.
Agora, com a sinistralidade caindo significativamente em 2023 – mais de 76% na média nacional e quase 90% no Paraná –, a tendência é que o valor das apólices diminua. Além disso, muitas resseguradoras devem voltar a atuar no mercado.
“As seguradoras ainda estão quantificando as perdas desta safra, mas foram estáveis. Eu acredito que a tendência seja de diminuição dos preços das apólices. Algumas seguradoras já estão ajustando suas condições, não somente de preço, mas principalmente de cobertura”, avalia Daniel Nascimento, vice-presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg.
A estimativa da CNseg é que o setor cresça 23% em 2024, com aposta em outros produtos, como o seguro pecuário, no retorno das seguradoras ao mercado e em melhores condições ofertadas para os produtores rurais.
O que diz o governo
Procurado pela reportagem do Boletim Informativo da Faep, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) informou que está atento à ocorrência de eventos climáticos cada vez mais frequentes e intensos e que impactam diretamente a produção agrícola. O órgão reconhece que houve aumento expressivo do custo das apólices, em decorrência da elevada sinistralidade registrada em 2021 e 2022 e causada por eventos climáticos severos, principalmente na região Sul.
No entanto, ressalta que “o PSR manteve, em 2023 e 2024, o orçamento no mesmo patamar dos anos anteriores, o que demonstra que este programa continua sendo uma política prioritária para o governo federal”.
Além disso, o Mapa confirmou à reportagem da Faep que vai modernizar o seguro rural com base no modelo mexicano, a fim de ampliar o número de produtores atendidos pelo programa a custos mais baixos. A previsão é que a iniciativa seja apresentada no próximo Plano Safra.
“A partir desta nova alternativa mais moderna e seus benefícios, o Ministério da Agricultura torna-se mais autônomo e menos dependente da disponibilidade de orçamento para o PSR. Ou seja: o seguro será ampliado e atenderá um maior número de produtores, com preços mais acessíveis “, disse a pasta, em nota.