A possibilidade de mudanças na forma como são registradas as garantias de veículos financiados fez aumentar a cautela de investidores com a Cetip. Discussões em curso representam riscos potenciais para a unidade de financiamentos da Cetip, responsável por R$ 88,2 milhões em receita do primeiro trimestre, 36% do total. As ações da companhia refletem esse receio.
O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) estuda centralizar consigo os registros de gravames, que indicam se determinado veículo está sendo financiado, o que pressionaria parte das receitas da companhia. Hoje, cada Estado é responsável pelo seu próprio registro. Nessa cadeia, a Cetip é quem leva a informação sobre a garantia do financiamento do banco até o órgão de trânsito de cada Estado, e teria que se adaptar à nova regra. Paralelamente, os Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans) questionam a falta de concorrentes à Cetip nesse mercado, apesar de concordarem que viabilizar uma alternativa ao esquema atual não é tarefa simples.
Uma terceira preocupação diz respeito ao crescente número de Estados que estão deixando, total ou parcialmente, de trabalhar com outro sistema da Cetip, também relacionado ao crédito de veículos. Esse sistema consiste numa plataforma responsável pelo registro, no Detran, dos dados do contrato de crédito, como prazo, taxas e tipo de operação. O Rio Grande do Sul é um exemplo dessa tendência.
O ruído pressionou as ações da companhia em junho. Os papéis perderam 1,46% e encerraram o mês passado em R$ 22,84, embora o Ibovespa tenha sofrido um tombo bem maior no período (11%).
“No registro de gravames, acreditamos ser muito difícil a entrada de um novo concorrente, já que o sistema precisa de um alcance nacional. Mas nos sistemas de registro de contratos de crédito a concorrência é muito mais acirrada, já que a barreira de entrada é menor”, afirma Roberto Dagnoni, diretor-executivo da unidade de financiamentos da Cetip.
Quando concedem o financiamento para aquisição de veículos, os bancos precisam fazer, no Detran, um gravame dessa operação. O gravame funciona como uma restrição eletrônica que impede, por exemplo, que um veículo financiado seja vendido a um terceiro. A Cetip pega a informação de que um carro está sendo financiado e a leva ao Detran, criando, instantaneamente, um registro de que um crédito está atrelado ao veículo, o que alimenta a base de dados nacional. Além do gravame, os bancos também precisam registrar no Detran informações sobre esse contrato de crédito, como taxas e prazos. Mais uma vez, a Cetip faz esse meio de campo, mas aqui não há necessidade de um cadastro nacional, o que abre mais espaço para concorrência.
A Cetip opera o Sistema Nacional de Gravames (SNG) desde o fim de 2010, após a aquisição da GRV, pela qual pagou R$ 2 bilhões. A empresa possui vínculo direto apenas com os bancos que originam os financiamentos. Quem faz a ponte com os Detrans é a Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenaseg), associação do mercado segurador. É a Fenaseg que repassa aos Detrans uma parte do valor pago pelos bancos à Cetip.
O Denatran criou um grupo de trabalho para avaliar possíveis mudanças nesse fluxo. Entre as alternativas está a centralização do registro de gravames na esfera federal. Atualmente, o órgão recebe as informações dos Estados. “Os estudos encontram-se em andamento, não havendo ainda conclusão”, informou o Denatran, em nota.
“Não há restrição à concorrência. A decisão de operar com o SNG é inteira dos bancos, que confiam na plataforma”, afirma Julio Avelar, executivo da Fenaseg. Na visão dele, independentemente do que decidirem os Detrans, será limitado o impacto tanto na federação quanto na Cetip.
Analistas, porém, defendem que há, sim, motivos de cautela. “Em nossa visão, a pior hipótese possível de Detrans, bancos e Banco Central renunciarem ao SNG é limitada, porém, caso ocorra, pode ser expressiva”, afirma o analista Francisco Kops, do J. Safra, em relatório.
“Estamos cada vez mais preocupados com ameaças competitivas”, escreveram analistas do J.P. Morgan. O banco vê probabilidade de “média a alta” de que a Cetip perca receita com o sistema responsável pelo registro de dados de contratos (Sircof), revertendo a perspectiva anterior de ganho em participação de mercado, após conversas com órgãos brasileiros de trânsito.
A Cetip atua no registro de gravames para todos os Estados brasileiros, porém em apenas oito faz também o registro de demais dados desse crédito. Juntos, esses Estados respondem por quase 60% da frota nacional. No fim do ano passado, o Rio Grande do Sul adotou uma plataforma própria para o registro dos contratos, o que aumentou os temores no mercado de que outros Estados sigam o mesmo caminho. Pelos cálculos do J. P. Morgan, a perda do registro de contratos no Estado de São Paulo representaria uma redução de 7% no lucro líquido da Cetip.
Raul Tavares, diretor administrativo do Detran-RS, afirma que foi um “desconforto jurídico” com a estrutura montada por Cetip e Fenaseg que os fez optar por desenvolver um sistema próprio. “No caso do gravame, são só eles que têm o alcance nacional, mas no sistema de registro do contrato não há essa necessidade”, afirma. O Estado passou a cobrar dos bancos uma taxa de R$ 104 por contrato, o que deve trazer um bônus entre R$ 35 milhões e R$ 40 milhões à arrecadação anual do órgão. No total, o faturamento do Detran-RS está em R$ 850 milhões.
Para se defender de uma possível perda em outros lugares, a Cetip pretende oferecer aos bancos algum tipo de ferramenta que facilite a conexão com os diferentes sistemas adotados pelos Detrans, diz Dagnoni.