Notícias | 17 de junho de 2024 | Fonte: UOL

Plano de saúde ignora acordo com Lira e mantém cancelamentos de contratos

Ameaçados por uma CPI, os planos de saúde firmaram acordo com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para interromper o cancelamento de contratos de crianças com autismo, paralisia cerebral e outras doenças. Mães relataram ao UOL que se trata de um “acordo de mentirinha” e os cancelamentos continuam.

O que aconteceu

Werica Gonçalves de Farias, 36 anos, foi informada na quinta passada (6) que a promessa feita aos deputados não evitou o rompimento do contrato do filho dela. Ela é mãe de Daniel Antonio Rosa Farias, 3 anos. O garoto tem AME tipo 1, doença que afeta os neurônios e exige respirador e outros aparelhos para manter o menino vivo.

A mãe disse que prefere ir para cadeia a aceitar a retirada dos equipamentos que estão na casa da família e que mantém o menino vivo. Werica falou que não entrega os aparelhos mesmo com a intervenção da polícia. “Estou disposta a ir para prisão pelo meu filho”.

Daniel corre o risco de ficar sem plano de saúde, e com isso perder a cobertura dos aparelhos que o mantém vivo, a partir de 19 de junho. “Conforme comunicado enviado, o cancelamento está programado para 19 de junho de 2024”, informou a empresa na semana passada.

“Até o momento não fomos comunicados oficialmente referente a suspensão sobre o cancelamento.” Essa foi a resposta dada a Werica pelo plano de saúde sobre a promessa aos parlamentares.

O diálogo com a funcionária ocorreu dias após o acerto de Lira com operadoras. O acordo dos planos com o presidente da Câmara dos Deputados foi firmado em 28 de maio.

O que diz a empresa

Procurada, a administradora do plano de saúde, a Supermed, se isentou da decisão de cancelamentos. “A empresa esclarece que, na qualidade de administradora de benefícios, não tem responsabilidade no que tange cancelamentos de contratos, sendo uma decisão tomada unilateralmente pelas operadoras de planos de saúde.”

A operadora do plano de saúde é a Unimed Ferj, que relatou não ter se reunido com os deputados. A empresa enviou nota com o seguinte trecho: “A Unimed Ferj esclarece que o mencionado acordo foi firmado entre instituições de representatividade de operadoras de planos de saúde das quais a Unimed Ferj não está incluída.”

Arthur Lira foi procurado e não se manifestou. Os avisos de cancelamentos e prints de WhatsApp foram enviados à assessoria de Lira desde a última segunda-feira (10).

A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) afirma que suas associadas estão cumprindo o compromisso firmado com Lira. “Após o encontro, Lira anunciou em suas rede sociais: ‘Acordamos que eles (os planos de saúde) suspenderão os cancelamentos recentes relacionadas a algumas doenças e transtornos”‘, disse a associação.

‘Lucro acima da vida’, diz presidente de associação

Presidente da associação de mães Nenhum Direito a Menos, Fabiane Simão afirmou que há uma ação para expulsar meninos e meninas doentes. “Para os planos de saúde o lucro está acima da vida. Crianças com autismo, paralisia cerebral e outras deficiências não passam de números de carteirinha que podem ser, literalmente, deletados do sistema”.

Nesta quarta, Fabiane fala à CPI dos planos de saúde da Assembleia Legislativa do Rio. Ela reuniu casos de planos cancelados no estado depois da promessa feita à Câmara dos Deputados. São 70 pessoas com plano cortado ou que receberam aviso de corte ontem.

“Acordo de mentirinha”, dizem as mães. Elas reclamam que os deputados fecharam um compromisso que não contemplou todos os clientes das empresas.

Outros cancelamentos

Além de Werica, mais três mães entraram em contato com o UOL. Todas tiveram os planos de saúde cancelados depois da data do acordo com a Câmara dos Deputados. Elas relatam preocupação com as crianças regredirem ou morrerem por causa do fim das terapias.

Amanda Souza, 6 anos, sentiu falta dos ‘tios’, como ela chama os terapeutas, na semana passada. A garota faz tratamento com psicólogo e com fonoaudiólogo porque tem autismo e deficiência intelectual. O plano foi cancelado em 1º de junho. A mãe da menina, Andressa Souza, 29 anos, teve que inventar uma história para a filha. “Os tios não podiam naquele dia”.

A garota não falava quando começou o tratamento. No dia que Andressa foi chamada de mamãe pela primeira vez, ela chorou. “Senti recompensa da luta de mãe. Nossa, o coração ficou quentinho. Chorei claro”.

Regressão sem tratamento

O relatório escolar do segundo para o terceiro bimestre do ano passado apontou regressão na capacidade social de José Miguel Damasceno, 4 anos. Era consequência de o menino autista ficar um mês sem terapia. A mãe, Ivone Alves, 46 anos, está desesperada porque recebeu notificação de que o plano de saúde só valerá até 19 de junho.

O cancelamento fez desmoronar a esperança de um dia ouvir José Miguel contar como foi a aula. “A gente já paga mais caro e mesmo assim eles te descartam porque meu filho é uma porta de saída. Se for eu, me aceitam porque dou lucro para eles.”

Liminar ignorada

A professora Suelen Peres, 39 anos foi amparada pela Justiça e conseguiu uma liminar obrigando o atendimento do filho Matheus Peres, 5 anos. Mas o plano de saúde se negou a restabelecer o contrato e manteve a suspensão do serviço para o último domingo (9).

Suelen reclamou do tratamento prestado pela empresa. A atendente do plano de saúde sequer chamou a professora pelo nome correto durante conversa para tratar do cancelamento. “Roberta, de fato não foi emitido boleto para o mês 06/2024,” escreveu a funcionária.

A Justiça foi acionada uma segunda vez e até ontem não havia se manifestado.

Procurados pelo UOL, planos retomam contratos

Planos dizem que restabeleceram os serviços de três clientes depois de procurados pelo UOL. As mães acreditam que só houve mudança de posicionamento porque o caso chegou a conhecimento da imprensa.

Werica, no entanto, foi comunicada pela reportagem sobre a manutenção da terapia de seu filho e ainda não recebeu a informação oficial.

Já Suelen foi informada que a liminar seria cumprida um dia após a administradora Supermed ter sido procurada pelo UOL.

Andressa soube que a filha poderia voltar a terapia quando o aplicativo da Amil voltou a funcionar. Ele nem abria até a operadora ser contatada pela reportagem. Desconfiada, a mãe de Amanda disse que menina ficou uma semana sem cuidados especializados e que só vai acreditar na retomada do contrato quando os atendimentos voltarem a ocorrer.

A Amil informou que Amanda está com plano ativo. A empresa ressaltou que não houve cancelamentos por conta de doença específica ou perfil de cliente.

A presidente da associação Nenhum Direito a Menos afirmou que a reativação de quem aparece em reportagens se espalhou nos grupos e as mães estão pedindo contatos para falar com repórteres. “As mães atípicas estão desesperadas para falar com a imprensa para ter seu plano religado”.

Esta é a realidade de quem não foi procurado pela imprensa. Enquanto isso, centenas de mães estão com planos sendo cancelados,Fabiane Simão, da associação de mães Nenhum Direito a Menos

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