Notícias | 3 de dezembro de 2012 | Fonte: Carro Online | Terra

O mundo obscuro dos desmanches

Tome cuidado ao escolher onde comprar os itens que você precisa para não ser lesado


O susto provocado por um orçamento de reparos no motor ou na lataria do carro faz muita gente pensar em alternativas. Mas não há muitas. Além do mercado paralelo de peças fabricadas à semelhança das originais, a saída mais comum é recorrer aos desmanches. E aí entra-se em um obscuro mundo de negócios, no qual é preciso ter muita atenção para não correr riscos.


“Uma parte do negócio dos desmanches é legalizada”, assegura um funcionário de seguradora, que preferiu não se identificar. “Por outro lado, há muitos desmanches ilegais, que trabalham com carros roubados. Na verdade, os desmanches ilegais são apenas a ponta do iceberg. Existe uma máfia controlando esse negócio, que envolve ladrões, empresas aparentemente idôneas e até autoridades credenciadas”.


A denúncia é grave. Mesmo assim, é possível obter peças de maneira bem econômica sem cometer qualquer tipo de prática ilegal. “Quando o carro não é segurado, o desmanche pode ser uma solução muito econômica”, diz Pedro Gambarini, dono da mecânica Rio da Prata, na cidade de São Paulo. Apesar de garantir que é possível encontrar uma grande oferta de peças no mercado de desmanche, ele alerta: “O ideal é que essa compra seja feita com a presença de um mecânico de confiança. Peças de lataria, por exemplo, podem ter recebido pequenas soldas ou até mesmo sido parafusadas. Só quem tem experiência consegue perceber esses detalhes”, revela. O mesmo se aplica a componentes do motor, do câmbio e da suspensão. É preciso ter um olhar treinado para perceber que algumas peças, mesmo originais, podem estar comprometidas e, se forem usadas, poderão por em risco o comprador.


Leandro Signorelli já passou por diversas experiências ao comprar peças em desmanches. Morando no interior de São Paulo, veio à capital há cinco anos para adquirir um motor de Palio e se deu bem. “Consegui um em perfeitas condições por menos da metade do preço. Dei sorte”, testemunha. Mas também já viveu situações amargas: “Comprei uma bateria baratíssima, mas ela arriou um mês depois e não consegui recuperar o dinheiro”. No momento da entrevista à Carro Hoje, ele estava procurando uma tampa traseira para seu Ecosport, roubada recentemente. “Está difícil. Mas quem sabe eu acabe achando a mesma que me roubaram?”, diz.


Segundo Pedro Gambarini, um capuz dianteiro de um Fiat Palio, por exemplo, pode sair por R$ 250 em um desmanche — o preço na concessionária está por volta de R$ 700 já com o desconto oferecido aos mecânicos, que gira em torno de 35%. “Mas é difícil encontrar exatamente a peça que você procura. Do mesmo modelo, da mesma cor, sem nenhum problema”. Quando isso acontece, explica ele, o achado é chamado de “tiradinho”, ou seja, a peça perfeita para o carro avariado.


Muitos mecânicos têm restrições ao uso de peças de desmanche e recomendam essa alternativa só para componentes que não são fundamentais e que dificilmente “dão problema” — como espelhos, faróis e lanternas. Ou então para carros antigos ou importados, cujas peças são difíceis de encontrar. “Ainda assim, se é para economizar, é melhor uma boa peça de desmanche do que a do mercado paralelo, em que os componentes não são originais”, assegura Jesus de Oliveira, mecânico de Salvador (BA).


Os desmanches regulamentados se abastecem de carros que tiveram perda total, leiloados pelas seguradoras. Muitas peças de carros estão em perfeitas condições de uso. “Em média, vendemos as peças pela metade do preço praticado no mercado”, diz Mário Martins Junior, do desmanche W.F Autopeças. O carro chega do leilão e é desmontado conforme a solicitação das peças. “A gente vende até os parafusos”, afirma. Ele conta que não atende o consumidor final, pois “só os mais experientes compram dos desmanches”.


Martins garante que a atividade do desmanche é totalmente regulamentada: as seguradoras vendem o carro emitindo nota fiscal de todas as peças. Assim, ele também pode emitir notas fiscais para o comprador e o carro é considerado pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) como inexistente.


Segundo Martins, todas as peças são marcadas com a logomarca do desmanche. “É uma garantia dada ao consumidor, que pode reclamar caso haja algum problema na compra. Mas tem de reclamar rapidinho”, avisa. Em seguida, ele admite: na realidade, as peças são vendidas no estado em que se encontram. Traduzindo: o desmanche não se preocupa em verificar se elas estão em boas condições de uso e não há uma certificação que garanta a qualidade do produto. “Esse problema é do cliente”, ressalta.


Ao contrário do que garante Martins, o presidente do Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios, Antônio Fiolla, diz que não existe regulamentação e lamenta essa prática já consolidada no mercado. “Nosso sonho é que, um dia, um carro inutilizado tenha suas peças usadas de maneira adequada”, afirma.


Há uma lei tramitando no Congresso para que isso aconteça, mas sua aprovação parece distante. Com ela, assim como ocorre em outros países, os carros inutilizados iriam para centros de reciclagem nos quais as peças reaproveitáveis passariam por uma inspeção técnica antes de voltarem ao mercado, devidamente certificadas. “Na Argentina já é assim, atendendo, inclusive, às normas ambientais”, depõe Fiolla.


Afinal, não são apenas os componentes de motor, suspensão e lataria que merecem ser reutilizados, mas também pneus, filtros e óleos. “Esse problema é tratado com vistas grossas”, lamenta. “Além disso, o mercado é completamente informal e está nas mãos de empresas clandestinas”.


As perspectivas de solução deste problema são desanimadoras. “É preciso encontrar uma saída definitiva, técnica e regulamentada para a quantidade de carros imprestáveis que saem do mercado. Do contrário, continuarão sendo tratados como ferros-velhos e prensados como latas”, adverte.


CUIDADOS NA HORA DA COMPRA


– É preciso ter certeza de que a peça seja compatível com o seu carro. Há pequenas variações em alguns modelos que podem comprometer o uso do item.


– Exija nota fiscal da peça adquirida. É a sua garantia para fazer trocas ou devoluções.


– Examine cuidadosamente as peças, principalmente as de lataria. Tente localizar soldas ou pequenas emendas capazes de comprometer seu uso.


– Esteja disposto a perder algum tempo procurando. Às vezes pode ser difícil encontrar a peça mais adequada.


– Converse com seu mecânico antes de procurar a peça. Ouça as orientações dele e, se possível, leve-o junto.


– Prefira os desmanches bem localizados e públicos. Busque opções pela internet. Evite lugares suspeitos, mesmo que um amigo os tenha recomendado por terem “ótimos preços”.


– Tenha em mãos todas as especificações técnicas da peça desejada.


“SÃO PEQUENAS MÁFIAS”


Curitiba é uma das capitais brasileiras que mais sofrem com a presença dos desmanches ilegais, que operam com carros roubados. Em maio passado, policiais civis encontraram um desmanche que funcionava em uma residência. No local foram encontrados 14 veículos, alguns já parcialmente desmanchados. Segundo o delegado titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos de Curitiba, Marco Antônio de Góes Alves, desde janeiro já foram desfeitas dezenas de quadrilhas envolvidas com desmanche de veículos roubados na capital paranaense. “Mas é difícil acabar com essa prática ilegal”, reconhece. Na cidade, os veículos mais procurados pelos desmanches são Fiat Palio e VW Gol, pela variedade de peças que possuem. Segundo um relatório da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, foram roubados 4.807 carros em 2010. Muitos com destino certo: os desmanches. “Infelizmente, não existe um universo organizado para que possamos identificar esses números”, diz o delegado. “As quadrilhas de desmanche funcionam como o tráfico de drogas: são pequenas máfias ou micro-organizações”.


VEJA A CONCLUSÃO DO NOSSO REPÓRTER


O hábito de adquirir peças usadas de desmanche é apropriado e econômico. Mas a dificuldade de encontrar itens em bom estado, a falta de garantia e a informalidade desse mercado são aspectos que impedem que essa prática seja tão confiável quanto poderia ser. Ainda assim, pode ser uma alternativa bem vantajosa, principalmente para peças mais padronizadas, que podem ser encontradas apenas pelo modelo e ano do seu carro, como lanternas, faróis e retrovisores. As peças de lataria podem ser adquiridas por valores muito inferiores aos praticados pelas concessionárias, mas cuidado: são mais difíceis de acertar. Além disso, podem estar danificadas sem que isso seja notado. Um carro que sofreu uma batida de frente pode ter uma porta aparentemente perfeita, o que nem sempre é verdade. Pequenas diferenças no molde comprometem seu funcionamento. Quanto às peças de motor, suspensão e câmbio, peça o auxílio de um mecânico na hora de comprá-las.



Um comentário

  1. ESSENIUS

    4 de dezembro de 2012 às 10:14

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