As alterações introduzidas pelo novo Código Civil (CC), no tocante à questão dos juros, apresentam significativas repercussões no âmbito dos direitos e interesses da sociedade brasileira. Propomo-nos, nesta apresentação, a fixar alguns conceitos basilares e necessários, analisando-os de forma sistêmica dentro do ordenamento jurídico civilista vigente.
Introduzindo o tema, podemos conceituar os juros como sendo os rendimentos ou frutos civis do capital emprestado, ou seja, um custo financeiro (preço) pela sua utilização. Sob determinada ótica, refere-se à recompensa a ser paga ao credor em razão deste se privar de determinado bem em benefício do devedor. Carvalho de Mendonça definiu juro como sendo “o preço do uso do capital e um prêmio do risco que corre o credor.”.
Importante destacar que, muito embora a expressão “juro” seja utilizada como referência ao débito em dinheiro, a ele não se restringe, sendo perfeitamente aplicável às relações obrigacionais que tenham por objeto coisas fungíveis (substituíveis) que não a pecúnia.
Os juros são classificados como moratórios ou compensatórios (também chamados de remuneratórios). Os primeiros constituem pena imposta ao devedor pelo atraso no adimplemento de determinada prestação, são aplicados, nos termos da lei, pelo simples fato da inobservância do termo para o pagamento, ou, inexistindo prazo, da constituição do devedor em mora (o que se faz por intermédio de notificação, interpelação, protesto ou citação – esta apenas se a obrigação for ilíquida). Os últimos, diferentemente, têm por escopo remunerar o capital mutuado, equiparando-se aos frutos que dele poderiam advir. São, por assim dizer, aqueles pagos como compensação por ficar o credor impossibilitado de dispor do seu bem, e defluem desde o momento da cessão da respectiva posse ou uso.
Também podem ser classificados os juros como legais ou convencionais. Como se infere pelas próprias denominações empregadas, esses requerem a expressa manifestação da vontade das partes, enquanto aqueles, ao reverso, se produzem em virtude de regra jurídica previamente estabelecida. De acordo com o Código Civil revogado – em conjunto com o Decreto-Lei 22.626/33 (Lei da Usura) – se legais fossem, seriam os juros fixados em 6% ao ano, ao passo que, estipulados pelas partes, poderiam alcançar o dobro desse percentual. No Código Civil vigente, conforme antecipado, profundas foram as mudanças.
Dispondo sobre os juros decorrentes da mora, o artigo 406 do CC prescreve que: “quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação de lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Já o artigo 591, disciplinando os juros compensatórios/remuneratórios, declara que: “destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”. Logo se vê, portanto, que os juros compensatórios deverão – obrigatoriamente – respeitar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, sendo esta taxa, ainda, a que prevalecerá na hipótese de não serem convencionados e especificamente fixados os juros moratórios.
Todavia, vale ressaltar que não são poucas as divergências doutrinárias acerca da mencionada taxa de juros, cujas conseqüências para as soluções dos casos concretos são visivelmente importantes. Para uns, com fundamento no artigo 84 da Lei 8.981/95, ela refere-se à Selic, que é composta de juros remuneratórios e correção monetária, representando a taxa média de remuneração dos títulos públicos registrados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia para títulos federais. Para outros, a referida taxa corresponde ao disposto no artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual: “Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês”. Parece-nos que a segunda proposição afigura-se mais defensável, seja pelo fato de que o texto de lei em comento (art. 406) foi elaborado ao tempo em que a Selic sequer existia, levando-se em conta tão só a legislação tributária, seja por ser a aplicabilidade da Selic, no mínimo, questionável, porquanto a fixação da taxa resulta de ato administrativo (Comitê de Política Monetária do Banco Central) e não de lei ordinária. Independentemente da tese a ser consolidada por nossos tribunais, a diferença de resultado nos cálculos das dívidas serão substancialmente relevantes considerando os distintos critérios, e dependendo do caso, podem levar à insolvência os devedores menos avisados.
A título ilustrativo, se considerarmos determinado negócio jurídico com a aplicação cumulativa de juros moratórios e compensatórios, teremos duas situações bastante diversas. No entendimento da utilização da taxa Selic, o débito poder-se-á sujeitar a um acréscimo de 32% ao ano. Por outro lado, ao predominar o entendimento de que tal taxa equivale ao percentual apontado pelo CTN, a majoração, no mesmo lapso de tempo, não ultrapassará 24%. Note o leitor, outrossim, que se a dívida perdurar por mais de um ano, a discrepância se agigantará ainda mais, posto que o artigo 591 admite, categoricamente, a capitalização anual dos juros.
Pois bem, não bastassem as suscitadas incertezas que a redação legislativa nos permite aduzir, oportuno salientar que, tratando-se de juros moratórios objetivamente fixados pelas partes, furtou-se o legislador, aparentemente, de determinar seu limite no Novo Código Civil. Para constatar essa realidade, basta que revisite o leitor o já transcrito artigo 406, do qual depreende-se que o aludido limite está restrito aos casos de inexistência de convenção ou de determinação quanto à taxa correlata, ou, ainda, se não for esta proveniente de lei.
Assim sendo, haveria irrestrita liberdade legal na fixação da taxa dos juros? Entendemos que não. Com efeito, a liberdade desmedida na fixação dos juros propiciaria arbitrariedades e excessos que não se coadunam com os princípios norteadores do Código Civil de 2002, alguns dos quais, por sinal, foram explicitamente notabilizados em seu bojo, como os referentes à onerosidade excessiva, à probidade e boa-fé e à função social do contrato (arts. 421, 422 e 480). Podemos apontar, inclusive, que infringiria preceitos éticos, visto que se estaria incentivando, ainda mais, que o uso do capital obtenha gratificações superiores aos da produção, o que não parece, para sermos eufemistas, sensato. Aliás, no encalço desse raciocínio, não seria sequer razoável admitir que um assunto de tamanha repercussão econômica e social seja desregrado, deixando que as partes hipossuficientes das relações jurídico-econômicas sejam prejudicadas com a livre fixação dos juros.
Com o intuito de sanar a lacuna presente no novo ordenamento, prestigiada doutrina (Arnaldo Rizzardo) reporta-se ao descrito artigo 1º, do citado Decreto-lei, mediante o qual se proíbe e se pune a estipulação contratual de taxas de juros acima ao dobro da legalmente permitida (art. 406). É bem verdade que os regramentos presentes no Decreto-Lei em tela que foram versados pelo novo Código perderam a vigência. Entretanto, como já afirmamos, o CC esquivou-se de disciplinar o limite da taxa quando esta for convencionada pelas partes. Isso, por certo, legitima a aplicação da indicada legislação extravagante ao problema apresentado, pois que seu conteúdo, ao menos no que concerne ao abordado artigo 1º, está em pleno vigor.
Por fim, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, frente às obscuridades e/ou lacunas da legislação, não firmaram, ainda, o critério claro e definido a ser devidamente utilizado pelos destinatários da norma. Por conta disso e em vias de conclusão, em que pesem as inclinações ora defendidas, ainda não se pode buscar terra firme em tão movediço tema, de maneira que seria por demais arriscado atestar, com inabalável convicção, qual o parâmetro ideal que os leitores deverão empregar sem que corram o risco de verem seus cálculos e/ou contratos impugnados e revisados em sede jurisdicional. Resta-nos, portanto, recomendar que as relações jurídico-econômicas havidas sejam muito bem estruturadas, orientadas e reduzidas a termo, no sentido de fixar as regras e penalidades incidentes em todo o seu universo, qual seja, a determinação de limites mínimos e máximos aos juros, assim como qual a sua extinção e função (considerando a classificação indicada neste artigo).