Notícias | 23 de dezembro de 2003 | Fonte: Gazeta Mercantil

Emenda paralela pode ficar só no papel

Cumprimento de prazos regimentais inviabiliza aprovação do texto na convocação extra do Legislativo. O presidente da República precisará mais do que a conhecida fama de bom negociador para desatar o nó da emenda paralela da Previdência na Câmara dos Deputados. Luiz Inácio Lula da Silva só conseguirá ver o texto aprovado durante a convocação extra do Legislativo se tiver caneta mágica. E para isso terá de passar por cima do rito legal da Casa Baixa do Parlamento, que determina a caminhada de um projeto desta envergadura pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por uma comissão especial antes de sua apreciação pelo plenário.

O trâmite tem prazo legal de até 40 sessões, antes do despacho de um relatório. O próprio presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), já avisou que pretende cumprir as etapas regimentais.

Um complicador a mais é o pleito para prefeito, que encurta o ano legislativo. Assim, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 77, batizada de paralela, corre o risco de não sair do papel, em função do desejo de os deputados mudarem sua estrutura.

Fruto de acordo no Senado, para preservar o projeto original da reforma previdenciária, a proposta então poderia ser abandonada como admitiu o ministro Ricardo Berzoini, titular da pasta da Previdência. Se a previsão se materializar, seriam cumpridas profecias como a do senador Pedro Simon (PMDB-RS), segundo a qual as emendas constitucionais nunca entrariam em vigor. Ou ainda como cravou durante as votações a senadora Heloisa Helena (expulsa do PT): “Isso é uma farsa, um engodo”.

Diante de tudo isso, a chamada para o Congresso trabalhar em janeiro desponta como algo infrutífero do ponto de vista prático. “Eu discordo do presidente Lula”, afirmou João Paulo Cunha. “A convocação extraordinária é um escândalo. Não entendo. Pagar dois salários para não ter nenhuma produção praticamente? As pessoas que estão envolvidas nesse processo (…) estão fazendo um desserviço para a reforma da Previdência e para o País”, argumentou o terceiro homem na linha sucessória do Brasil. O primeiro é Lula e o segundo, o vice, José Alencar.

O custo da empreitada é conhecido e reconhecido pelo Planalto: R$ 50 milhões. Os responsáveis pela manobra, segundo os líderes do governo na Câmara, são os senadores do PMDB, capitaneados pelo presidente do Senado, José Sarney (AP). Antes apontado como adversário, o senador hoje é o maior aliado de Lula no Congresso.

Mas ele não esteve só neste lobby, que o vice-líder do governo na Câmara, Paulo Bernardo (PT-PR), classificou de chantagem, pois o Senado ameaçou não votar a prorrogação da alíquota de 27,5%, se não houvesse a convocação. Pelos cálculos da Receita Federal, se este projeto fosse derrubado, a perda na arrecadação em 2004 seria de R$ 4,5 bilhões em 2004.

Até a bancada petista da Casa Alta do Legislativo participou da batalha de bastidores para convencer Lula a tomar uma decisão, que a Câmara era contrária. O vice-presidente do Senado, Paulo Paim (PT-RS), chegou ao extremo de ameaçar com greve de fome, pois considera a convocação importante para a tramitação da PEC paralela.

“O Paim está precisando mesmo emagrecer”, alfinetou o deputado e ex-ministro da Previdência, Roberto Brant (PFL-MG), que foi presidente da comissão especial de deputados que estudou a reforma idealizada pelo governo.

“Tenho me surpreendido com o comportamento heterodoxo do presidente da Câmara. Talvez seja a pouca experiência de um mandato e meio”, foi a pérola com a qual João Paulo foi brindado pelo senador Arthur Virgílio Neto (AM), líder do PSDB no Senado.

Ironia também usou o presidente Lula ao saber que João Paulo pensa diferente dele e de Sarney. “Uma crisezinha de vez em quando não faz mal a ninguém”, brincou o chefe do Executivo.

Talvez o ocupante do terceiro andar do Palácio do Planalto tenha esquecido, pois faz tempo que deixou a cadeira de deputado, que o presidente da Câmara tem a prerrogativa constitucional de conduzir as votações como bem entender. Esta crise não é tão pequena quanto tenta fazer crer o presidente. Outro vice-líder do governo na Casa, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), disse que o presidente da República passou por um “mico”. E acrescentou que haverá mudanças na emenda paralela, algo que desfiguraria o projeto.

Afinal, não é segredo para ninguém que deputados estão descontentes com o processo da formatação do texto. O Senado costurou o acordo com o Palácio do Planalto e os representantes dos servidores. Porém, esqueceu de convidar a Câmara, que passou por um desgaste enorme para bancar o projeto original do governo, para participar da atual negociação.
Sérgio Prado

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