Depois da desastrada decisão de algumas seguradoras em imporem aumentos achacantes ou extinção em contratos de seguro de vida em grupo estipulantes classe C, receosos com os rumos do mercado, diversos corretores abrem-se para a possibilidade de intermediarem seguros de vida resgatáveis no exterior, estimulados pela desconfiança nas seguradoras nacionais e por uma sensação de segurança nas operações em dólar. Sem ter a intenção de esgotar o assunto ou chegar a uma resposta em tom de verdade absoluta, relacionarei abaixo as respostas que encontrei para algumas perguntas após ter sido abordado com respeito a este assunto, no sentido de operar com determinada seguradora americana não autorizada a operar no Brasil, a qual me referirei apenas como Xpto por questões éticas.
À parte da discussão de legalidade ou não da operação, visto que este assunto já poderia ser encerrado segundo o entendimento da SUSEP, baseado no Decreto Lei 73/66, em especial os artigos 6, 44 e 113, que atribui ao IRB Re a prerrogativa exclusiva deste tipo de operação, mesmo concluindo que seja legal para o segurado, precisamos saber também se é um bom negócio de seguro para ele e quais as implicações para o corretor. Destaco ?de seguro? pois algumas pessoas utilizam operações de fachada com seguradoras offshore para lavagem de dinheiro, prática que acredito qualquer corretor abominaria e não seria conivente.
Argumento 1: As seguradoras americanas são mais sólidas que as brasileiras e não entram em falência e quando estão mal, obrigatoriamente são absorvidas por outras.
Existem nos EUA quase três mil seguradoras, a grande maioria regionais. Diferente do Brasil, as seguradoras americanas precisam de autorização para operar em cada estado. Muitas destas seguradoras são menores que boa parte de nossas seguradoras, evidentemente não dá para generalizar, além de que algumas das maiores seguradoras americanas estão presentes no Brasil de forma legal. O grande problema para o corretor é saber se a seguradora é ou não sólida, não baseado apenas no discurso comercial, prêmio em viagens, folders e outros aspectos externos que podem embaçar nossa real percepção sobre a empresa. A seguradora Xpto, por exemplo, tem apresentado taxas de crescimento de prêmios elevadas, perto de 23% ao ano nos últimos anos, alavancada basicamente pela aquisição de seguradoras menores (relatório disponível no site da Bolsa de Nova Iorque www.nyse.com). Taxas de crescimento elevada em seguro são perigosas, trazem a reboque sinistro se a carteira for ruim, não precisamos pensar muito para lembrar situações concretas de seguradoras no Brasil que cresceram rapidamente e vieram a quebrar. Mais importante que taxa de crescimento, valorização das ações, ranking ou market share, é a classificação de rating que possui, visto que o rating avalia se a empresa é capaz de cumprir ou não suas obrigações financeiras. Solicitei à Standard & Poors (www.standardandpoors.com) a classificação da seguradora Xpto, em set/2002 estava com classificação A, passando para BBB após esta data e mantendo-se com esta classificação até jun/2006, ou seja, piorou. Para os que não são familiarizados com estas escalas, pela S&P a classificação A significa segurança média alta e a escala BBB significa segurança média baixa, no limite da escala classificada como especulativa. Maiores esclarecimentos sobre escalas de rating, entre no seguinte site:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/voce/ep/inv2/etm/Rating.jsp
Quanto à falência, a legislação para estas questões nos EUA é estadual, mas consultei um escritório de assessoria econômica sediado no Colorado que me informou que existe sim a possibilidade de insolvência de seguradoras e que sua absorção dependerá do desejo de outras em adquiri-la, da mesma forma como é no Brasil, ou seja, seguradoras que tem o que oferecer em termos de marca, canal de distribuição ou carteira sadia de clientes encontrarão compradores, caso contrário serão liquidadas.
Argumento 2: As rentabilidades auferidas repassadas para os segurados na sua reserva de sobrevivência é maior que no Brasil, principalmente porque é baseado em uma moeda forte, o dólar.
Para podermos validar ou não o argumento, precisamos analisar um período mínimo de 10 anos, visto que estamos falando de aplicação a longo prazo, e saber a forma como são aplicadas as reservas. A variação do Dólar Paralelo Compra entra 01/01/1996 e 01/01/2006 foi de 145,76% (fonte: www.calculos.com) e a variação do IGPM neste mesmo período foi de 170,43%
(fonte: http://paginas.terra.com.br/servicos/indices/atualiz/corrigpm.htm). A seguradora Xpto declara em sua apólice que o segurado torna-se um sócio da empresa, na medida que as reservas são aplicadas diretamente nas ações da seguradora, o que é um altíssimo risco, principalmente considerando o rating dela mencionado acima. Mesmo que no momento suas ações estejam valorizando, rentabilidade presente (ou passada) não garante rentabilidade futura. O segurado da Xpto deverá acreditar que ela terá valorizações acima da inflação por mais de dez anos, caso contrário terá prejuízo na operação. Apenas para efeito de comparação, os produtos de vida resgatáveis (Dotais Misto com Performance) no Brasil, costumam garantir rentabilidade sobre as reservas, podendo ser IGPM ou IPCA mais uma taxa de juros, que oscila de 3% a 6% ao ano. Se um segurado quiser comparar um plano brasileiro com garantia de IGPM mais juros de 6% ao ano com o plano da Xpto, a conta que deve fazer é a seguinte: a valorização das ações da seguradora Xpto terá que ter superado a diferença do Dólar em relação ao IGPM mais a taxa de juros reais aplicadas no Brasil (170,43 ? 145,76 = 24,67 + 79,09 [taxa de 6% ao ano capitalizada em dez anos] = 103,76%). Pelo resultado, as ações da seguradora Xpto deverão render uma média de 7,38% ao ano, apenas para empatar com o plano brasileiro. Segundo informações que recebi da assessoria americana, rentabilidade de ações entre 7% e 10% ao ano nos EUA é considerado excelente, mas dificilmente as ações de uma empresa conseguem manter esta performance por longos anos, o que já é possível em uma carteira de ações (fundo), desde que bem administrado.
Em 2005 O CNSP emitiu a Res 140, modernizando a regulamentação dos Dotais. Com as alterações produzidas na resolução colocada em audiência pública, podemos dizer que teremos uma legislação extremamente avançada em seguros Dotais em breve, com características semelhantes aos PGBL´s e VGBL´s, onde as reservas são aplicadas em fundos de investimento exclusivos, com rentabilidade diária divulgada em jornal de circulação nacional. Apenas como exemplo, o fundo ICATU HARTFORD MODERADO B RENDA FIXA, constituído em 24/12/1998, acumulou até 02/01/2006 187,05% de rentabilidade líquida (fonte: www.cvm.gov.br), considerando que o IGPM acumulado neste mesmo período foi de 125,83% e a variação do Dólar Compra Paralelo foi de 93.1%, o fundo rendeu 61,22% acima do IGPM (média de 7,06% de ganho real ao ano) e 93.93% acima do Dólar (média de 9,92% de ganho real ao ano) . Esta transparência, somada a possibilidade de portabilidade, serão os pontos fortes destes novos produtos, além da possibilidade de manutenção dos formatos atuais com garantia de performance. O corretor poderá acompanhar a performance dos FIFEs pelo jornal e orientar ao seu segurado para migrar suas reservas para outra seguradora que esteja rendendo mais, vantagem esta que não possui quando contrata um seguro na seguradora Xpto, pois estará preso a um contrato de prazo certo, podendo apenas resgatar as reservas, normalmente com a aplicação de um redutor, ou seja, não será 100%.
Para finalizar, considero importante comentar a questão tributária. Nos seguros de vida resgatáveis (Dotais Misto de Benefício Definido com garantia de Performance) contratados no Brasil, não há tributação na indenização por morte, no resgate somente é tributado o ganho de capital e não entram em inventário em qualquer situação (Lei 11.196, art. 79; MP 2158-35/2001, art 63). O segurado que houver contratado um seguro com a seguradora Xpto, por ocasião do retorno do dinheiro para o Brasil via resgate, o mesmo será tributado na fonte usando-se a tabela progressiva do imposto de renda, podendo chegar a 27,5%, tributando o valor investido e ganho de capital. Este percentual poderá eliminar qualquer diferença positiva que o segurado possa ter auferido com a aplicação no exterior. Para escapar desta tributação, somente se o dinheiro voltar para o Brasil ?na cueca?, que acredito não seja o objetivo do corretor profissional de seguros, indicar operações ilegais para seus clientes. Outro ponto é quanto a indenização por morte, como a contratação foi feita em empresa de seguros não autorizada a operar no Brasil, a indenização, quando retornar para o Brasil por meios normais, como transferência bancária, ficará retida até finalização do inventário. Considerando uma média de 12% cobrada para um inventário, os beneficiários da indenização por morte do segurado perderão parte da indenização para o imposto de renda, já que a fonte é tributável (recursos vindo do exterior) e parte para os serviços de inventário. Nesta situação a perda de uma ?eventual? vantagem é maior ainda.
O corretor de seguros no Brasil deverá avaliar profissionalmente estas e outras questões a que estará impondo ao segurado ao indicar a contratação de seguros em dólar no exterior. Pode ser fácil contratar, as comissões podem ser elevadas, mas podemos estar criando sérias dificuldades para o segurado ou seus beneficiários no futuro. É trabalhoso, mas faz parte das obrigações do corretor perante o segurado indicar negócios legais e de fato vantajosos, livrando o corretor de possíveis ações de responsabilidade civil, caso o segurado venha a ter algum prejuízo por realizar operações no estrangeiro, mesmo que legais, por orientação e intermediação de seu corretor de seguros.
Carlos Augusto Sá da Silva
Corretor de Seguros
Especializado em seguros de Pessoas
e-mail: [email protected]