Conforme um estudo baseado em dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entre os anos de 2020 e 2022, revelou-se que o valor médio de pedido de indenização é de R$ 35 mil por ação judicial relacionada a casos de erro médico. Segundo informações veiculadas nesta segunda-feira (26) pelo Portal Valor Econômico, o Brasil registrou, em 2023, cerca de 25 mil processos por “erro médico” – ou danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde, denominação que passou a ser adotada neste ano pelo Judiciário. Esse volume representa um aumento significativo de 35% em relação a 2020, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Segundo o Valor, nos últimos quatro anos, o total de ações por erro médico chegou a 91 mil. Os pedidos de indenização são substanciais e tendem a se concentrar no setor privado, onde as condenações são mais elevadas, abrangendo 70% dos processos. O estudo mencionado, com base nos dados do TJSP, analisou 4,5 mil processos por erro médico e identificou pedidos que totalizam R$ 16 milhões em indenizações por danos morais entre 2020 e 2022, resultando em uma média de R$ 35 mil por cada processo.
O termo “erro médico” deixou de ser adotado pelo Judiciário devido às objeções de entidades representativas da categoria médica. Com base na Tabela Processual Unificada, que classifica os processos, o termo abrangeria não apenas processos contra médicos, mas também contra hospitais (públicos e privados) e profissionais de outras áreas da saúde.
Advogados especializados em saúde observam um aumento no número de casos desde o início da pandemia de COVID-19, com ações desse tipo atraindo tanto novas gerações de advogados quanto profissionais vindos de outras áreas. Esses processos são considerados complexos, dispendiosos, demorados e apresentam alto risco, mas em muitos casos são viáveis.
Nos Estados Unidos, os processos por erro médico são tradicionalmente uma área lucrativa para a advocacia, muitas vezes tratados como um investimento. Alguns escritórios anunciam seus serviços com estimativas de custo e benefício, indicando um gasto inicial entre US$ 50 mil e US$ 100 mil e uma indenização final entre US$ 250 mil e US$ 400 mil. Um estudo publicado pela revista Health Affairs em 2010 calculou em US$ 55 bilhões o volume pago por erro médico nos EUA, representando 2,4% do custo do sistema de saúde.
No Brasil, as restrições à propaganda da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) limitam as campanhas de captação de clientes no estilo americano, mas a questão ainda é uma preocupação. Grandes hospitais investem em “compliance médico” e protocolos de prevenção, como o “Prêmio Júlia Lima”, lançado pelo Hospital Albert Einstein em 2019 para incentivar boas práticas e segurança do paciente.
Henderson Fürst, presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB, em entrevista ao Portal destacou que iniciativas como a do Einstein estão na vanguarda e visam não apenas reduzir a judicialização, mas também crises de imagem associadas. Contudo, ainda existem hospitais que calculam custo-benefício e transferem a responsabilidade por erros médicos para a cobertura de seguros de responsabilidade civil.

Fürst observa mudanças nos últimos anos, com mais ações judiciais, advogados iniciantes na área e técnicas de captação de clientes que prometem ganhos fáceis por erros comuns, como a falta de assinatura do termo de consentimento. No entanto, ele acredita que, em geral, os processos são motivados pela insatisfação do paciente com o resultado do procedimento e pela falta de comunicação adequada entre médico e paciente.
Outro fator que contribui para a expansão dos processos é o grande número de incidentes no sistema de saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) coleta há anos dados sobre incidentes relacionados à saúde, com informações sobre falhas na assistência, erros em procedimentos e outros problemas, totalizando 342 mil notificações por ano.
Um levantamento feito por Victor Vieira, da empresa de pesquisa em jurisprudência e jurimetria Juit, analisou 4,5 mil decisões sobre erro médico do TJSP e constatou um cenário que, mesmo assim, tende a favorecer as instituições médicas. Vieira destaca que as instituições de saúde têm uma taxa de provimento de recursos maior do que os pacientes, indicando uma inclinação do Judiciário a favor das instituições médicas. As indenizações por erro médico variam consideravelmente, desde valores entre R$ 250 mil e R$ 300 mil até valores tão baixos quanto R$ 1 mil e R$ 250. A pesquisa também revela que a segunda instância da Justiça paulista tende a reduzir o valor das condenações mais do que aumentá-las.
Os recursos à segunda instância são mais eficazes para hospitais do que para pacientes. Em quase 72% dos casos, os recursos dos pacientes são negados, enquanto as instituições de saúde têm seus recursos negados em 51% das vezes.
Recentemente, a 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP manteve uma decisão condenando uma empresa de serviços de saúde a indenizar uma paciente diagnosticada erroneamente com câncer nos ossos e tratada sem necessidade por seis anos, resultando em graves efeitos colaterais. A indenização por danos morais foi fixada em R$ 200 mil e os danos materiais em R$ 17,9 mil (processo nº 1016242-76.2020.8.26.0564).
As dificuldades em obter resultados positivos em processos por erro médico levaram alguns advogados a desistir desse tipo de caso. Rodrigo Araújo, advogado especializado em direito da saúde, já teve muitos clientes com casos de erro médico, mas atualmente evita esses processos devido à sua longa duração, provas difíceis e recursos protelatórios. Ele também observa um corporativismo entre os médicos, que dificulta a obtenção de laudos periciais imparciais. Araújo cita o caso de um cliente diagnosticado com aneurisma em um hospital de renome em São Paulo e encaminhado para uma cirurgia urgente. A cirurgia teve complicações devido à falta de tempo para preparação e exames prévios, resultando em sequelas graves para o paciente. O parecerista nomeado pelo juiz reconheceu que não havia urgência na cirurgia, mas isentou o colega médico, afirmando que o hospital tinha condições de realizar o procedimento.
Marcos Patullo, sócio do Vilhena Silva Advogados, comentou que recebe muitos clientes com casos de erro médico em seu escritório, mas recomenda abrir processos apenas em algumas situações devido à dificuldade em produzir provas. Ele contou ao Portal que é necessário reunir pareceres, registros e comprovar a correlação entre a conduta médica e o dano sofrido pelo paciente.
Tatiana Luz, sócia do NHM Advogados, em conversa com o Valor ressaltou que juridicamente a atividade médica é considerada uma atividade de meio, não de fim, o que significa que o médico é responsável pela execução de uma tarefa, não pelo resultado final. Embora essa questão ainda esteja em discussão na cirurgia plástica, em outras áreas da medicina está pacificada: há uma distinção entre o procedimento médico em si e como o corpo do paciente reage a ele. No entanto, configurar o erro médico continua sendo um desafio.
Essa análise abrangente dos processos por erro médico reflete a complexidade do sistema jurídico e de saúde no Brasil, evidenciando a importância de medidas preventivas e de comunicação adequada entre profissionais de saúde e pacientes para reduzir conflitos e melhorar a qualidade do atendimento médico.