Notícias | 3 de agosto de 2007 | Fonte: Expresso da Notícia

Cláusulas abusivas X Cláusulas limitativas de responsabilidade

Antônio C. V. Nóbrega*

Cabe ao corretor esclarecer ao consumidor as cláusulas que lhe possam parecer obscuras, pois raramente a contratação é feita direto com a seguradora.

Segundo o art. 54, parágrafo 4º, do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas, presentes em contratos de adesão, que implicarem limitação de direito do consumidor, deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. Por isso é que o CDC, ao disciplinar as regras atinentes aos contratos de adesão – modalidade na qual se insere o contrato de seguro – não veda a inserção de cláusulas limitativas e restritivas ao consumidor. Ao contrário, em nome da boa-fé que deve nortear as relações de consumo, para que tais dispositivos contratuais possam ser considerados válidos, considera necessário que se sobressaiam às outras cláusulas, de forma a possibilitar para o consumidor uma compreensão total e imediata das estipulações que sejam desvantajosas para si.

As cláusulas limitativas de responsabilidade são da própria natureza do contrato de seguro, sendo necessário distingui-las das chamadas cláusulas abusivas.

Na conformidade do art. 51 e parágrafos do CDC, abusiva é aquela cláusula que põe o consumidor em situação exageradamente desfavorável dentro da relação jurídica, comprometendo o equilíbrio contratual e violando os princípios da boa-fé. Por outro lado, são consideradas cláusulas limitativas aquelas que, em consonância com os princípios do Código do Consumidor e com o restante do ordenamento jurídico vigente, restringe a obrigação assumida pelo fornecedor, limitando o exercício do direito do consumidor em determinadas situações. Outrossim, tais cláusulas, pelo seu caráter restritivo e para que não sejam contaminadas pela eiva da nulidade, devem ser redigidas de forma clara e destacada, em conformidade com o art. 54, parágrafo 4º da Lei 8.078/90.

É evidente que no julgamento de alguns casos de abusividade, haverá necessidade de análise meticulosa e aprofundada da situação concreta. Deve o magistrado agir com sabedoria e prudência para que possa determinar se, por exemplo, uma cláusula aparentemente limitativa, presente em um contrato de seguro, por ter restringido de forma demasiada as obrigações da empresa seguradora, acabou por colocar o segurado em situação de exagerada desvantagem, e tornou o próprio negócio jurídico iníquo e frustrante para a parte hipossuficiente da relação. Neste caso, deverá ser considerada nula.

Ao permitir as cláusulas restritivas nos contratos de adesão, vê-se que o CDC andou em harmonia com o Código Civil e com o próprio instituto do seguro. O art. 1.434 do Código Civil de 1916 já dispunha que na apólice deverão estar consignados os riscos assumidos pelo segurador, enquanto o art. 1.460, do mesmo diploma legal, determinava que quando a apólice limitasse ou particularizasse os riscos do seguro, o segurador não responderia por outros. Já no Código Civil de 2002, merece atenção o art. 760, que determina que na apólice deverão ser mencionados os riscos assumidos.

Ao comentar esse dispositivo, João Marcos Brito Martins procura enfatizar a importância da limitação dos riscos cobertos pela empresa seguradora:

[…] são da essência do contrato de seguro as restrições de coberturas, ditadas, no mais das vezes, pela necessidade do segurado, ou mesmo pela capacidade de pagamento do prêmio quase sempre condicionada à disponibilidade financeira do proponente. Daí haver planos com maior ou menor abrangência de cobertura.

O mesmo autor lembra, ainda, que, no caso de não-pagamento de indenização em virtude de risco não-coberto pela apólice, deverá ser demonstrada ao segurado a relação entre o fato excludente e o sinistro ocorrido, citando o Enunciado n. 19 da Procuradoria da SUSEP que dispõe que a mera alegação de excludente de cobertura não é suficiente para desobrigar a seguradora, impondo-se, para a isenção de responsabilidade, a demonstração do nexo de causalidade entre a excludente alegada e o sinistro ocorrido.

Sobre esta mesma matéria, é necessário não esquecer que o art. 51, inciso I do CDC, juntamente com os arts. 24 e 25 do mesmo diploma legal, impõem uma limitação genérica às cláusulas limitativas, proibindo a estipulação de cláusulas que atenuem a responsabilidade por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços, bem como as que atenuem a responsabilidade de indenizar prevista na secção sobre fato do produto ou do serviço e sobre qualidade de produtos ou serviços.

Outro dispositivo que merece destaque é o art. 46 do CDC, que, em conformidade com o direito básico à informação adequada e clara (art. 6º, inciso III) e com o princípio da transparência (art. 4º), dispõe sobre a necessidade de possibilitar que o consumidor tenha o conhecimento prévio do conteúdo do contrato, proibindo que os respectivos instrumentos sejam redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

É importante que tal dispositivo ganhe maior relevância pois, o que ocorre com alguma freqüência, são contratos de seguro sendo firmados sem que seja dada oportunidade para que o segurado tome conhecimento das cláusulas limitativas de responsabilidade presentes no contrato. Tal situação é encontrada freqüentemente em casos de seguro-saúde e de seguro de automóveis, nos quais o segurado constantemente é surpreendido pelo embaraço de uma cláusula limitativa de responsabilidade da seguradora, que pode frustrar uma legítima expectativa contratual.

Para passar ao largo dessa dificuldade é necessário que o mercado tenha a iniciativa de editar manuais explicativos dos termos e cláusulas contratuais, sobretudo as de cunho restritivo, a fim de que o consumidor possa avaliar com segurança aquilo que adquire. No Brasil, a Federação das Seguradoras (Fenaseg) vem atendendo a esse apelo dos especialistas e operadores do direito do consumidor, com a sucessiva edição de cartilhas e manuais, redigidos em linguagem corrente, perfeitamente compreensível para o leitor.

Antes mesmo do segurador, entretanto, é ao corretor que cabe a tarefa de esclarecer – liminarmente – ao consumidor as cláusulas que lhe possam parecer obscuras, bem como aquelas que limitem as obrigações da seguradora, no ato de contratação de suas apólices. Essa missão dos corretores é tanto mais importante quando se considera que o contato do consumidor com as seguradoras é feito através do sistema de intermediação e raramente de modo direto entre as duas partes contratantes.

Apesar de tudo que se disse, não há como negar que, pela própria natureza jurídica do contrato de seguro, as cláusulas limitativas – quando não sejam abusivas – às vezes se tornam instrumentos essenciais para que a seguradora possa, através de cálculos atuariais e de fundamentos técnicos, tais como o mutualismo, definir o valor do prêmio e o da futura indenização.

Por fim, também nunca é demais lembrar as palavras do clássico Pedro Alvim que, ao mencionar a importância da limitação dos riscos, afirma que:

O segurador não pode ser obrigado a incluir na garantia da apólice todos os riscos da mesma espécie. É preciso ter a liberdade de conceber os planos técnicos de acordo com a conveniência do próprio negócio, sob pena de não poder resguardar sua estabilidade necessária. (ALVIM, 1999, p. 255)

*Antonio Carlos Vasconcellos Nóbrega é advogado do escritório Negrini & Advogados Associados. Sua tese de mestrado sobre Direito do Consumidor foi desenvolvida na pós-graduação da EMERJ. É autor do artigo As influências do Código de Defesa do Consumidor no Contrato de Seguro, do livro Em Debate – Vol. 6, editado pela Funenseg e prefaciado pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, Munir Karam.

FAÇA UM COMENTÁRIO

Esta é uma área exclusiva para membros da comunidade

Faça login para interagir ou crie agora sua conta e faça parte.

FAÇA PARTE AGORA FAZER LOGIN