No especial divulgado nesta terça-feira (30), intitulado “Cenário global é de alta nos preços dos resseguros”, o Valor abordou a perspectiva de um aumento nos preços do resseguro no mercado de seguros em 2023. A escalada da inflação, juros elevados e o aumento da sinistralidade devido a catástrofes climáticas e conflitos geopolíticos, como a guerra na Ucrânia, tendem a impactar os gastos das seguradoras na transferência de riscos das coberturas de sinistro que não podem suportar por conta própria.
No final de 2022, a S&P Global Rating divulgou um relatório indicando a alta na contratação de resseguro em nível global. Essa previsão também foi mencionada no Relatório Global do Mercado de Seguro, da Associação Internacional de Supervisores de Seguros (IAIS, na sigla em inglês), no ano passado. A IAIS destacou o risco sistêmico global no setor, com aumento da sinistralidade e impacto direto do cenário macroeconômico nos seguros e resseguros. Goldman Sachs e Fitch Ratings também compartilham dessa avaliação em seus relatórios. A Superintendência de Seguros Privados (Susep) afirma que o mercado global de resseguros tem enfrentado restrições de capacidade, o que tem levado a ajustes nos termos e condições dos contratos. Essas mudanças são resultado dos desdobramentos da pandemia da covid-19, bem como do aumento das taxas de juros em vários países e seu impacto no custo de capital das seguradoras. No entanto, de acordo com a Susep, esse não é o único fator em jogo.
Há também, no mundo todo, a preocupação do setor com linhas específicas, como o segmento de crédito, rural e riscos catastróficos. Estes últimos devido às mudanças climáticas e seus efeitos no setor de resseguros cada vez mais frequentes, comenta em nota a entidade. Em 2022, por exemplo, o prejuízo gerado por catástrofes naturais superou US$ 100 bilhões no mundo com o pagamento de sinistros, aponta relatório da Swiss Re, gigante mundial de resseguros. Mas ressalta não estar vendo nenhum movimento mais restritivo no país na oferta de capacidade pelo mercado ressegurador.
“De forma global, vemos um reajuste nas subscrições entre 15% e 40%, a depender se o mercado estava mais ou menos defasado em relação às taxas”, diz Frederico Knapp, head reinsurance Brazil & Southern Cone da Swiss Re. Por causa da inflação, dos desastres naturais e de outros riscos maiores, há a necessidade, neste momento, de ajuste nos preços para manter a capacidade de retorno sobre o capital investido. “As seguradoras compram essa capacidade para pulverizar o risco de contratos vultosos. No meio da pandemia tivemos uma inflação acima da esperada e que ainda vem se perpetuando em alguns mercados, com peso relevante na indústria como um todo”, diz o executivo. Outro fator citado por Knapp diz respeito ao volume de capital.
“Muitos investimentos que existiam anteriormente, mecanismos do mercado utilizados no financiamento do setor, acabaram desaparecendo, o que resultou na diminuição do capital dos resseguradores. E o capital disponibilizado para a retrocessão – operação em que a resseguradora repassa a outro ressegurador parte do risco assumido com a seguradora – também encareceu, tanto no mercado interno quanto lá fora.
Para reduzir seu custo de capital e suportar graves perdas, a Swiss Re fechou recentemente acordo com o JP Morgan para recebimento de US$ 700 milhões voltados a proteger os contratos de subscrição. A transação segue o modelo stop-loss, que fornece proteção para graves perdas de subscrição e aqui será usado pela companhia entre os anos de 2023 e 2027. Os recursos, informa a Swiss Re, também ajudarão a resseguradora a expandir seus negócios em um cenário de alta de preços.
Isso porque, segundo Knapp, a inflação, a frequência e especialmente a severidade dos sinistros são suficientes para pensar em um aumento de preço do resseguro de maneira a ser possível às resseguradoras suportar os pagamentos sem perdas. Outro fator de peso apontado pelo executivo que explicaria a necessidade dessa alta hoje no mercado geral é o desequilíbrio entre o valor retido pela seguradora – a parte relativa ao risco pela qual ela responderá – e o assumido pela resseguradora na cessão. Em 2022, diz o executivo da Swiss Re, para cada R$ 1 arrecadado em prêmio, a resseguradora pagou R$ 1,17 de sinistro, resultado do aumento da sinistralidade da companhia em 117% naquele ano. “Por isso, hoje temos uma necessidade de que o retorno sobre o capital disponibilizado seja maior”, diz Knapp.
Em 2022, ainda segundo o valor, o total de resseguros cedidos somou R$ 23 bilhões, crescimento de 23,5% sobre os R$ 18,7 bilhões de 2021, informa a Susep. Para reforçar esse crescimento, em dezembro último, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), órgão no qual a Susep tem representatividade, publicou a Resolução no 451, reunindo várias normas relativas aos seguros e resseguros e temas correlatos ao mercado segurador, em vigor desde 1º de janeiro. A resolução trata das operações de cessão, aceitação de resseguro, retrocessão, cosseguro e operações em moeda estrangeira, além de contratações de seguro no mercado externo.
Uma das mudanças importantes para o resseguro diz respeito justamente à retenção. “Na abertura do mercado ressegurador, em 2007, era obrigatória a retenção de risco em um patamar definido. A regra, à época, previa a obrigatoriedade de a seguradora ficar com 50% dele, sendo proibida a contratação de resseguro no exterior acima desse patamar”, diz Marcelo Mansur, sócio da prática de seguros, resseguros e previdência privada no escritório de advocacia Mattos Filho.
“Antes a regra era igual para segurador e ressegurador local. Com a resolução houve duas modificações. Às seguradoras é permitido agora repassar até 90% do risco a resseguradores. Percentual de cessão acima de 90% é possível, mas desde que seja feita uma consulta prévia à Susep, acompanhada de justificativa”, explica Mansur. A segunda alteração, continua o advogado, focou no ressegurador. “Para a resseguradora, o repasse de risco na retrocessão, que também era de 50%, saltou para 70%. Os resseguradores locais não poderão ceder mais do que 70% dos prêmios relativos ao risco contratado, sejam eles nacionais ou internacionais, comprando resseguro ou retrocessão no Brasil ou no exterior”, conclui Mansur.
A revisão da regra relativa ao limite de cessão em resseguros e retrocessão, diz a Susep, faz parte de um esforço da instituição para fortalecer o acesso a um mercado concorrencialmente saudável, permitindo que, na eventual alta de preços de um fornecedor, se possa ter uma contraproposta de outro player. A Resolução 451, diz a Susep, consolidou em uma resolução única 25 normas vigentes, com objetivo de facilitar o entendimento das regras relativas ao setor. A superintendência explica que a flexibilização visa estimular ainda mais a utilização do resseguro como mecanismo de transferência de riscos, aumentando o fornecimento de capacidade, melhorando os índices de solvência, apoiando novos negócios e a transferência de conhecimento e tecnologias pelos resseguradores.
Também destaca a autorização em vigor das operações de resseguro e retrocessão feitas entre empresas de um mesmo conglomerado financeiro. Neste caso, a permissão é condicionada a que as operações sejam feitas em condições equilibradas de concorrência, cabendo às duas partes a responsabilidade de comprovar o cumprimento dessa exigência.
O setor de resseguros viveu muitos anos de mercado brando, tratado como soft, com taxas caindo, inclusive no Brasil, diz Bruno Freire, CEO da Austral Re. “Desde a abertura do mercado ressegurador, as taxas só vinham caindo, caíram muito. E comprar um seguro de risco hoje no Brasil é mais barato do que há 15 anos. Mas o setor globalmente teve perdas importantes nos últimos anos decorrentes de catástrofes, furacões, sinistros pela covid-19 e os derivados da guerra na Ucrânia, com aeronaves e navios que ficaram retidos na Rússia, por exemplo, e que acabaram gerando muita perda para o mercado como um todo”, explica Freire. A sinistralidade aumentou em 2022 em praticamente todos os segmentos de seguros, conforme dados da Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR).
Segundo o executivo, as perdas que as resseguradoras vêm registrando do lado financeiro também fazem com que o capital disponível no mercado encolha. “Se cresce a procura por resseguro no mercado, mas o capital total das resseguradoras diminui, a tendência é de alta de preços para melhorar o retorno”, diz o executivo da Austral. “Tudo isso faz o cenário passar da condição branda para dura, e é preciso trazer os prêmios para cima, movimento que já vem acontecendo desde 2021.”
Os seguros para grandes riscos são os mais afetados neste momento, já que dependem muito do mercado internacional, diz Freire. Em 2022, a Austral Re registrou faturamento de R$ 3 bilhões, alta de 41,4% sobre o ano anterior, e lucro líquido de R$ 76 milhões. Foi mais de R$ 1,2 bilhão em prêmios emitidos no período. Pesou no bom resultado o fato de a empresa, mesmo tendo em sua carteira apólices de grandes riscos, ter optado por reduzir a exposição em segmentos mais críticos, como o agro.
Com quase R$ 65 bilhões em ativos sob gestão no resseguro, a Gallegher Re vem se consolidando fortemente no mercado brasileiro, onde está há apenas três anos. A companhia vem ganhando protagonismo no mercado de resseguros brasileiro, especialmente após adquirir a Willis Re, que levou a Gallegher Re a figurar entre as maiores resseguradoras do mundo. Luiz Araripe, gerente-geral e CEO, diz não ver falta de capital para as resseguradoras, mas sim que o setor avalia um custo de oportunidade por causa do mercado mais duro. “O retorno dos resseguradores foram fenomenais em 2022. No Brasil, eu diria que são dois elementos: o aumento de taxas e o aumento dos juros, porque a seguradora começa a ter retorno sobre os investimentos.”
“A Gallegher tem se consolidado no mercado e o ano de 2022 foi muito importante na nossa solidificação no mercado brasileiro no que se refere ao resseguro, mas também na parte de seguros”, diz Araripe. Ele se refere à compra da corretora de seguros Interbrok, que vai levar para a empresa um mix maior de produtos, na área de pessoa física e na de saúde, consolidando a empresa como um marketplace já em 2023.
Paul Conolly, CEO da Carpenter Marsh Fac no Brasil, diz que do final de 2022 até o começo de 2023 a Marsh tem conseguido renovar apólices com descontos e condições mais favoráveis. “Neste momento, o aumento no valor das taxas para as renovações e contratações tem sido mais pontual. “Não dá para generalizar e também não concordo com a afirmação de que o mercado como um todo está mais duro com as seguradoras nas renovações. Ele está mais conservador. Diria que este é um momento de ajuste da relação entre a resseguradora e o cliente, onde o cliente que merece o privilégio, porque tem boa sinistralidade, terá melhores condições. A subida dos valores de subscrição é uma recuperação do mercado de resseguro”, diz o executivo.
Para a Federação Nacional das Empresas de Resseguros (Fenaber), apesar das perdas verificadas no mercado, já é possível trabalhar com a expectativa de melhorias não apenas nas condições de negociação das apólices, mas também nos preços da cessão de risco para seguradoras. “Estamos apostando em uma melhora no cenário, com queda da sinistralidade. Acho que continuaremos vendo isso nos próximos meses e fecharemos os anos de 2022 e 2023 com crescimento”, diz Paulo Pereira, presidente da Fenaber. Para isso, no entanto, Pereira lembra da necessidade de os grandes projetos de infraestrutura serem votados. “No Brasil temos de ter projetos aprovados, como o do novo marco do saneamento”, diz, sobre a medida que prevê melhorias nas redes de distribuição de água e esgoto.
“Se o Brasil cresce, a necessidade de seguro e resseguro aumenta. Com projetos de infraestrutura aprovados e a flexibilização das regras de contratação de seguro no mercado externo trazidas pela Resolução nº 451, podemos ter aumento do capital, uma vez que os recursos vêm de fora. Ou seja, estamos protegendo o patrimônio nacional com dinheiro externo”, diz Mansur, do Mattos Filho.