Instituição sediada na Jordânia é uma das maiores do Oriente Médio.
Paga à família cerca de US$ 5 mil por uma pessoa que comete ataque suicida.
Um importante banco do mundo árabe oferece contas que pagam uma espécie de seguro de vida para as famílias de homens-bomba palestinos. Mas agora a instituição pode enfrentar advogados americanos que representam as vítimas dos ataques.
Na manhã da véspera do dia em que ele planejava se explodir, Bassam Takruri usava uma camisa recém-passada, um blazer e sapatos engraxados. Às 10h da manhã, o estudante disse adeus a seu pai, que deu a ele dez shekels em dinheiro. Era um belo sábado de maio na cidade Palestina de Hebron.
Tudo parecia normal, pelo menos para o resto de sua família. Bassam, de 18 anos, um menino de olhos escuros e cautelosos era um jovem ambicioso. Ele queria ser engenheiro. Seu pai o chamava de “seu melhor filho”. Mas ele passou a última noite de sua vida longe da família -algo que muitos homens-bomba fazem para que não percam a coragem no último minuto.
Na mesma manhã de sábado em que Bassam estava no ponto para seu ataque suicida, Steve Averbach colocou seu coldre com pistola em um subúrbio de Jerusalém do mesmo modo que vinha fazendo há anos. Averbach era um policial. Era cedo, nem 6 da manhã ainda e seus dois filhos pequenos Sean e Adam e sua esposa Julie ainda estavam dormindo. No ponto localizado nesta parte do norte de Jerusalém, ele tomou o ônibus número 6, um veículo verde modelo “acordeão”. Mais ou menos às 5:45 da manhã, o ônibus chegou à parada de French Hill.
Averbach examinou cuidadosamente cada passageiro. Depois de servir na unidade anti-terrorista do departamento de polícia de Jerusalém, ele agora estava ensinando policiais, civis e seguranças civis a manejar armas. Seus colegas até o chamavam de “Steve Arma”.
O ônibus começou a se afastar, um homem correu pela lateral do veículo e o motorista parou e abriu a porta. O homem estava vestindo um terno preto e o típico solidéu de um judeu que segue à risca seus costumes. Mas sua barba era rala. Ao perceber que havia um volume sob a jaqueta do homem, Averbach rapidamente se levantou e foi em direção ao estranho. Mas Bassam, disfarçado de judeu devoto, foi mais rápido que Averbach e ativou seu cinturão de explosivos.
Bassam morreu e Averbach ficou ferido seriamente para o resto de sua vida.
Algumas semanas depois dos ataques suicidas, o telefone na casa dos pais de Bassam Takruri tocou. Do outro lado da linha estava um representante da Muassafat Usar al Shuhada, ou “organização pelas Famílias dos Mártires”. Ele disse à mãe de Bassam que a família havia recebido o dinheiro, mas teria que abrir uma conta no Banco Árabe para depositá-lo para que pudesse sacar o primeiro depósito. Os Takruris ficaram intrigados, fizeram o que o homem dizia. Algum tempo depois, o dinheiro foi transferido para uma nova conta. A partir daí, a família Bassam recebeu US$200 (€152) por mês durante mais de um ano.
O Banco Árabe é uma das maiores e mais importantes instituições financeiras do Oriente Médio. O banco privado sediado na Jordânia tem 40% de sua propriedade nas mãos da família que o fundou, os Schuman, e tem filiais em 28 países. O monarca da Jordânia até concedeu uma medalha a Abd al Hamid Schuman por suas conquistas e serviços prestados ao país.
Mas o banco já estava sob suspeita de desviar dinheiro para o financiamento de terrorismo em Território Palestino. E contas de sua filial palestina também estavam sob suspeita de terem sido utilizadas para pagar o tipo de seguro de vida que beneficia famílias de jovens homens-bomba, que se explodem com o objetivo de matar o máximo possível de israelenses.
A compensação financeira por um filho transformado em assassino é de 20 mil riyals sauditas -cerca de US$ 5 mil. Os fundos passam por uma rota circular até chegar nas contas das famílias que comprovam que perderam um filho ao exibir seu certificado de óbito na filial do Banco Árabe localizada no Território Palestino. Em seguida, depósitos mensais são feitos, como no caso de Takruri.
Homens-bomba podem cuidar de toda papelada necessária antes de se explodirem em milhares de pedacinhos. O chamado “Kit Mártir” inclui de uma certidão de óbito da autoridade palestina até um cartão de conta corrente no Banco Árabe.
O ataque, feito pelo estudante Bassam Takruri em 18 de maio de 2003, foi um dos piores daquele período. Ele tinha vários quilos de explosivos amarrados em volta de sua cintura, um poder explosivo tão intenso que o ônibus foi catapultado da rua. Sete pessoas morreram e 20 ficaram feridas.
Quando a polícia encontrou o corpo de Steve Averbach dentro de um ônibus, seu dedo ainda estava no gatilho da pistola. Ele disse que eles deveriam ter cuidado, porque a arma estava destravada. Em seguida, ele perdeu a consciência. Ele passou cinco semanas na UTI. Pedaços de vidro quebrado de vidro haviam perfurado seus pulmões e uma roldana havia penetrado em seu pescoço e agora estava alojada entre sua terceira e quarta vértebra. Desde aquele dia, Averbach ficou paralisado do pescoço para baixo.
Um ano depois do ataque, ele procurou um advogado, um americano chamado Gary Osen de Nova Jersey. Ele agora quer processar o Banco Árabe com base na lei anti-terrorismo de 1996 que tornou ilegal o financiamento de terroristas.
Osen, de 37 anos, tem um cabelo bem cortado, uma voz sonora e uma aparência austera -além de muita experiência em casos de compensação. Na Alemanha ele representou herdeiros da família Wertheim contra os varejistas da KarstadtQuelle. “Em nosso processo, acusamos o Banco Árabe de apoiar o financiamento de grupos palestinos”, diz Osen. “Nosso objetivo é tornar o acesso ao dinheiro mais difícil para eles.”
Seu escritório de advocacia representa nos EUA 200 clientes que perderam parentes nos ataques terroristas a Israel. O escritório de advocacia do renomado advogado Ron Motley, nos Estados Unidos, que moveu uma ação coletiva pelas famílias das vítimas de 11 de setembro está atualmente representando 700 outras pessoas que aguardam compensação por suas perdas. Os advogados são otimistas, acreditando que pelo menos podem reduzir o fluxo de dinheiro que vem predominantemente da Arábia Saudita via contas do Banco Árabe para territórios palestinos.
De acordo com o processo, o dinheiro sangrento era com freqüência coletado na Arábia Saudita e depois enviado pelo Banco Árabe para a filial de Nova York através da Faixa de Gaza. Acredita-se que o apoio oficial venha do Comitê Saudita para a al-Quds Intifada, uma associação de caridade comandada pelo Príncipe Nayef do monastério saudita.
“O comitê” diz Osen, “não passa de uma organização para levantar fundos para a resistência palestina”. Mas um porta-voz do grupo na capital saudita de Riyadh nega apoio às famílias de homens-bomba, alegando que o comitê trabalha apenas com organizações e ministérios oficiais palestinos.
Mas um anúncio no jornal palestino al-Quds em novembro de 2001 apóia a teoria dos advogados americanos. O comitê colocou um anúncio com uma lista de nomes de feridos e prisioneiros palestinos, assim como os nomes de alguns dos homens-bomba. Suas famílias receberam instruções para ir à filial local do Banco Árabe para receber doações do comitê.
Em fevereiro de 2002, um anúncio parecido foi colocado em outra publicação, al-Hayat al-Jadeeda, mais uma vez pedindo que as famílias de “mártires” fossem ao Banco Árabe para “receber o décimo pagamento, totalizando US$ 5.316 para cada família, doados pelo comitê saudita”.
Os generosos doadores acabaram dando US$ 1.594.980 a algumas das 300 famílias dos territórios ocupados via Banco Árabe.
Representantes da instituição financeira negam que o banco tenha tomado parte em tais transações. “Nosso banco não tem nada a ver com o financiamento do terrorismo”, disse Bob Chlopak, porta-voz do Banco Árabe nos Estados Unidos. “Mas um banco não é uma agência de polícia. Ele não pode pesquisar cada um de seus clientes no Google antes que eles façam uma transferência. E nenhum banco é perfeito.”
Aparentemente, nem o Banco Árabe, que teve sua filial de Nova York na Madison Avenue fechada pelas autoridades bancárias norte-americanas por não ter controle interno suficiente das transações monetárias realizadas ali. Em 2005 uma unidade do Departamento do Tesouro Norte-americano também multou a instituição em US$ 24 milhões. O Banco Árabe não pode mais fazer transações em dólar nem transações internacionais.
Durante as buscas no West Bank, há alguns anos, o Exército israelense também encontrou documentos que aparentemente dão substância a acusações segundos as quais o Banco Árabe tem sido utilizado por organizações sauditas para financiar o terrorismo. Os fundos eram supostamente transferidos ao Hamas e ao Jihad Islâmico. Documentos do Banco Árabe confiscados em 2003 sugerem que transferências de fundos pela filial de Nova York acabaram nas mãos da Sociedade de Caridade Turca, que tem conexões com o Hamas.
“Eu não sou vítima de terrorismo”, disse Averbach olhando para sua mulher Julie. “As vítimas são minha esposa e filhos”. Julie largou seu emprego de contadora e os Averbachs estão vivendo de uma modesta pensão da polícia. Caso seu processo contra o Banco Árabe seja bem-sucedido, ele poderá terminar recebendo alguns milhões de dólares dentro de três ou quatro anos.
O pai do suicida vive no setor de Hebrom chamado Ras al Jura. Jamal Takruti senta em seu sofá amarelo, um homem pequeno com um rosto amigável. Atrás dele há uma fotografia de seu filho Bassam. A semelhança é inequívoca -olhos grandes, testa alta, sobrancelhas espessas. Desde que seu filho se explodiu, a família tem vivido em um pequeno apartamento. Tratores de Israel passaram por cima de sua casa poucas semanas depois do ataque. O apartamento de sua nova casa pertence à Organização de Famílias Mártires -o mesmo grupo que ofereceu a eles generosas compensações financeiras.
O pai de Bassam nunca foi interrogado para saber se deveria ou não aceitar os fundos enviados a ele pela conta do Banco Árabe. “Nós precisávamos do dinheiro”, ele diz, enquanto acende um cigarro. “De repente não tínhamos mais casa.”
Tradução: Luiz Fernando Marcondes