Ao InfoMoney, Bernard Appy defende medidas de combate ao que chamou de “planejamento tributário”, mas ressaltou que decisão final caberá ao Congresso Nacional
Considerado ponto de atrito entre parlamentares no debate da regulamentação da reforma tributária, a cobrança de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) sobre planos de previdência privada e sobre a distribuição de dividendos desproporcionais é vista com bons olhos por Bernard Appy, secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda.
As duas formas de cobrança constam do substitutivo apresentado pelo relator do projeto de lei complementar (PLP 108/2024) que trata das novas regras tributárias relacionadas a estados e municípios, o deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que também é vice-líder do governo na Câmara dos Deputados. O texto foi levado a votação e aprovado em plenário em agosto, mas ainda resta a apreciação de 7 destaques apresentados pelas bancadas.
A versão aprovada pelos parlamentares um mês atrás prevê a incidência do tributo estadual sobre a transmissão de aportes financeiros capitalizados sob a forma de planos de previdência privada ou qualquer outra forma ou denominação de aplicação financeira ou investimento, independentemente da modalidade de garantia. O que se aplica tanto para o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre), quanto para o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre).
Mas nestes dois casos o relator adotou uma solução de meio termo, em que aportes financeiros com prazo superior a 5 anos até a ocorrência do fato gerador permanecem isentos. Ou seja, o ITCMD apenas incidirá sobre aportes que não cumprirem o período mínimo, justamente como forma para evitar o planejamento tributário.
O substitutivo aprovado também determina enquadramento como doação sujeita à cobrança de ITCMD as transmissões de “atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados”.
Este item é objeto de um dos destaques que serão analisados em plenário, de autoria do deputado federal Doutor Luizinho (PP-RJ). O trecho será objeto de votação separada, que exigirá da base do governo a construção de 257 votos para manter o texto (já que se trata de destaque supressivo). A expectativa é que a votação ocorra nesta semana, quando os parlamentares desembarcam em Brasília para mais uma rodada de esforço concentrado antes das eleições municipais.
O trecho tem provocado tensão no Congresso Nacional, com integrantes do “centrão” articulando sua derrubada em plenário. Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deu um recado ao relator durante participação na Expert XP 2024 ao dizer que a maioria dos parlamentares entende que o ponto não deveria estar no texto e defendendo um ajuste.
“Faltam alguns destaques, que são pontuais, divisão de dividendos diferenciados, extraordinários ou desproporcionais, que a maioria da casa não entende que deveria estar ali. E nós estamos conversando com o relator para que ele ou atenda os destaques ou sofrerá uma derrota no plenário”, afirmou.
Concordância
Integrantes da equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm evitado se envolver publicamente nas negociações e articulações pela redação final dos projetos de regulamentação da reforma tributária e dizem que cabe ao Congresso Nacional tomar as decisões políticas sobre o assunto.
O secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, apontado como um dos pais do novo sistema tributário, porém, tem posição pessoal favorável à cobrança do ITCMD nos dois casos, conforme explicou em entrevista concedida ao InfoMoney em seu gabinete, na última quarta-feira (4).
No caso das transmissões que resultem em benefícios desproporcionais, ele disse que “é correto” instituir a cobrança do tributo. “Temos um imposto sobre doação, que é o ITCMD. De repente, eu crio uma empresa com meu filho em que eu tenho 99% do capital, ele entra com 1%, e, na hora de distribuir dividendo, eu distribuo 99% para meu filho e 1% para mim. É uma forma de transferir patrimônio sem pagar imposto”, argumentou.
“Já há decisões no Poder Judiciário ratificando quando há autuações em situações como essa. O que acontece é que hoje, como isso não está definido claramente, há muito litígio”, prosseguiu o secretário.
“A ideia é dar mais transparência para que não possa haver esse tipo de planejamento, porque isso é simplesmente uma forma de elisão para não pagar o tributo. Se precisar melhorar a redação, tudo bem, o objetivo não é alcançar outros atos societários legítimos, mas, sim, atos societários que são feitos simplesmente para burlar o pagamento do tributo. Isso temos que evitar”, disse.
Quanto à cobrança sobre planos de previdência privada, Appy tem uma posição mais dura do que a presente no texto aprovado pelos parlamentares, defendendo a incidência de ITCMD para alguns casos mesmo com o cumprimento do prazo de 5 anos do aporte.
“Na minha opinião pessoal, uma coisa é um seguro de vida. Aquele em que eu contribuo com um valor baixo todo mês e, se morrer, minha família vai receber. Isso claramente não tem que ser tributado. Outra coisa é fazer uma aplicação financeira, chamá-la de previdência e dizer que não incide imposto sobre herança e doação”, afirmou.
“Se eu tenho uma aplicação em um CDB ou em um fundo de investimento e morrer, a transferência desse valor para os meus herdeiros vai pagar tributo. Se eu tenho a mesma aplicação feita em uma previdência complementar, não vai. Em alguns casos, esse instrumento é usado claramente para burlar o pagamento. O sujeito vê que está próximo de morrer e transfere todas as suas aplicações financeiras para uma previdência complementar simplesmente para não pagar imposto sobre herança quando morrer, que é um planejamento tributário”, prosseguiu.
“Aparentemente, a opção do relator e do grupo dos 7 [parlamentares que conduziram as discussões em grupo de trabalho na Câmara dos Deputados] foi de fazer uma situação intermediária: desestimular esse planejamento explícito, mas em princípio eles entendem que uma previdência legítima acumulada ao longo da vida não deveria pagar ITCMD. É uma opção política. É um tema com muito litígio, é importante ter logo uma definição de como deve ser feito. Pessoalmente, acho que, se tem característica de aplicação financeira, a rigor, deveria ser tributada. Mas a opção do Congresso foi uma opção intermediária que pelo menos tende a desestimular o uso abusivo do instrumento simplesmente para não pagar imposto”, concluiu.