Notícias | 6 de janeiro de 2004 | Fonte: ISTOÉ Dinheiro

Aposentadoria à sombra

Os anos de 2003 e 2004 entrarão para a história como os períodos em que a aposentadoria dos brasileiros mudou. Em 2003, o governo aprovou no Congresso seu plano para a previdência dos funcionários públicos. Na iniciativa privada, não foi preciso discussão nem votação no parlamento. Os brasileiros começaram a aderir em massa aos planos privados. Em um ano, a chamada indústria de previdência complementar arrecadou R$ 15,2 bilhões ? um crescimento de 62% em relação a 2002. Já são seis milhões de brasileiros com programas privados. Para quem entende do assunto, essa é uma mudança que veio para ficar. Os brasileiros sabem das limitações das pensões do INSS e passaram a buscar na iniciativa privada outra garantia de renda. No passado, mal ou bem o governo cuidava de tudo. Agora, é preciso programar desde cedo a aposentadoria. Veja a seguir quais são os principais passos para se planejar o futuro.

A primeira coisa é saber quanto de sua renda o investidor deve destinar à aposentadoria. Quanto maior for a mensalidade paga e o período de contribuição, maior será o tamanho do bolo na hora do resgate. Mas cuidado com excessos, como depósitos fora da realidade. Certifique-se que o dinheiro não precisará ser resgatado no curto prazo. Caso contrário, o contribuinte já começará o plano perdendo dinheiro. ?Para fazer um plano de previdência é preciso ter disciplina e levar a sério o sonho de se aposentar com uma renda que lhe dê tranqüilidade?, afirma João Herreros, diretor da consultoria Mony. Com o plano de previdência, o investidor programa sua aposentadoria de acordo com suas necessidades, decidindo o momento de receber o benefício, o valor e a periodicidade das contribuições.

Feitas as contas, a próxima decisão que o investidor deve tomar é escolher o tipo de plano que melhor atende as suas necessidades. Na prática, a seleção final sempre fica entre os dois produtos mais populares do mercado hoje em dia: o Plano Gerador de Benefício Livre, o chamado PGBL, e o Vida Gerador de Benefício Livre, o VGBL. Ambos são fundos de investimento de longo prazo. A diferença entre um plano de aposentadoria e um fundo de investimento normal é o imposto. Em um fundo tradicional, o cotista paga mensalmente 20% de imposto sobre os rendimentos, independentemente do resgate. No PGBL e no VGBL o cotista só quita o imposto quando recebe o dinheiro. É por isso que os planos de previdência acabam acumulando mais que os fundos comuns. E ainda tem o fator psicológico. Para muita gente, é bem melhor doar um pedaço de um grande bolo pronto do que perder partes dos ingredientes antes de ver o tamanho real da massa.

A diferença entre o PGBL e o VGBL é basicamente tributária. Na prática, a escolha é feita de acordo com o tipo de declaração de Imposto de Renda usado pelo investidor. Para quem usa o modelo completo, o PGBL é o produto mais indicado. Com ele é possível abater do imposto a pagar até 12% da renda bruta anual. Já o VGBL é ideal para o contribuinte que faz sua declaração no modelo simplificado, pois esse tipo de plano não dá direito ao benefício fiscal. Voltado aos trabalhadores autônomos, o VGBL agrada principalmente a quem trabalha no mercado informal. Atualmente, existem no País cerca de 54 milhões de brasileiros que não têm carteira assinada. Com apenas dois anos no mercado, as vendas do VGBL já ultrapassaram as cotas comercializadas de PGBLs, que existe há cerca de cinco anos. Um desses investidores é o programador de computador autônomo Robson Rabachini, de 35 anos, que comprou dois VGBLs. Um é para garantir o seu próprio futuro. O outro foi dado de presente para o pai, o taxista Avelino, de 67 anos. ?Me sinto mais seguro agora que sei que não vou contar só com a aposentadoria do governo?, diz Avelino.

O investimento em um plano de previdência privada tem duas fases. A primeira é o período de contribuição. É durante essa fase, com as contribuições periódicas, que o investidor forma a sua reserva financeira. Vai do momento de ingresso no plano até quando o participante atinge a idade estipulada para o recebimento dos benefícios. A partir daí começa o período de recebimento dos benefícios, a aposentadoria propriamente dita. É na hora do resgate que aparece outra diferença entre o PGBL e o VGBL. No PGBL, o saldo total é tributado de acordo com a tabela progressiva do Imposto de Renda. A alíquota é zero para saques até R$ 900, de 15% para saques entre R$ 900 e R$ 1,8 mil, e de 27,5% para resgates maiores que R$ 1,8 mil. No VGBL, o imposto é pago somente sobre os ganhos financeiros.

Independentemente do produto escolhido, os especialistas em previdência defendem que não vale a pena o investidor receber todo o benefício de só uma vez, no momento da aposentadoria. O problema, afirmam, é a cobrança do imposto sobre o valor total arrecadado, que cancelaria as vantagens fiscais obtidas durante anos de contribuição. Os analistas recomendam receber um pouco por mês, durante toda a vida. O conselho vale tanto para o PGBL quanto para o VGBL.

Uma dúvida muito comum dos participantes de planos de previdência é saber o que acontece com o dinheiro em caso de falecimento. Se o investidor falecer durante o período de contribuição, todo o volume de recursos acumulado por ele será repassado aos dependentes. Nessa situação, o saldo pode ser resgatado. A situação, porém, muda caso o falecimento ocorra durante o período de recebimento de benefícios. Se o beneficiário tiver optado por uma renda vitalícia, a pensão não é repassada para os dependentes e o dinheiro fica com a seguradora. Caso a escolha tenha sido receber uma renda por tempo determinado, os dependentes poderão resgatar o saldo dos recursos acumulados. Outra opção para os dependentes é continuar recebendo o benefício até o fim do prazo estipulado. ?Essa escolha é feita na hora de comprar o plano, mas pode ser mudada a qualquer momento?, explica Marco Antonio Rossi, diretor-presidente da Bradesco Vida e Previdência. O plano mais vendido do mercado é o renda vitalícia que pode ser transferido aos dependentes. Foi exatamente esse plano o escolhido pela empresária Helena Bredemann. Há três anos ela investe num PGBL com renda vitalícia, que transfere aos filhos o direito do recebimento. ?Fico feliz em saber que meus filhos estão protegidos também?, diz Helena.

Garantir um futuro tranqüilo tem o seu preço. Por isso, antes de comprar um plano de previdência é importante levar em consideração os custos. Em um fundo de investimento comum, o investidor paga apenas uma taxa de administração. Essa taxa é cobrada diariamente sobre o volume acumulado e varia de 1% a 3% ao ano. No caso de planos como o PGBL e o VGBL, há mais uma despesa, chamada de carregamento. Essa taxa é cobrada sobre cada novo depósito e varia de 1,5% a 5%. Isso significa que se o investidor depositar mensalmente R$ 1.000 e tiver uma taxa de carregamento de 5%, na realidade ele estará aplicando R$ 950. ?Não há como fugir das taxas de administração e carregamento?, informa Fábio Colombo, consultor de finanças pessoais. A dica é prestar atenção no valor das taxas durante o estudo para escolher um plano. Esse tipo de análise foi feito pelo empresário Antonio Pereira antes de comprar um PGBL. ?É importante comparar as taxas e a rentabilidade dos produtos?, afirma Pereira.

Se, mesmo depois de ter aderido a um plano de previdência, o investidor não estiver satisfeito com a rentabilidade ou com os serviços prestados pela empresa escolhida, sempre é possível mudar de produto ou de gestor. A garantia dessa transferência é chamada de portabilidade. É ela que permite que o participante transfira os recursos acumulados de um banco para outro, ou até mesmo para uma seguradora, pagando apenas a CPMF. Como se vê, tanto os bancos quanto as seguradoras podem comercializar planos de previdência. No caso dos grandes bancos, a venda é feita por suas próprias seguradoras. Em ambos os casos, o dinheiro do investidor fica em um fundo de investimento exclusivo, administrado por uma instituição financeira. Isso significa que o investidor não é mais um cotista de fundo, mas um cliente da seguradora. Na prática, essa medida dá mais segurança ao participante do plano. Se o fundo tiver problemas na administração dos recursos, a seguradora é a responsável. ?É mais uma garantia para o dinheiro do investidor?, diz Cristina Sayão, diretora de estratégia e marketing da seguradora Nationwide.

A diferença entre comprar um plano de aposentadoria de uma seguradora independente ou de uma seguradora vinculada a um grande banco de varejo é a especialização. As independentes devem grande parte de seu faturamento a planos como o PGBL e o VGBL. Já os bancos contam com uma série de produtos, como cheque especial, cartão de crédito e financiamento. Em compensação, têm uma rede de agências espalhadas pelo País, o que significa mais facilidade de atendimento para o cliente. Outro ponto é que as seguradoras independentes geralmente fazem a gestão do plano em outras instituições. As seguradoras dos grandes bancos fazem, elas mesmas, a gestão de seus planos. Nas seguradoras independentes, o cliente pode escolher em qual instituição financeira ele quer que o dinheiro de sua aposentadoria seja gerido. No futuro, isso tende a se transformar em vantagem. ?Com a queda nas taxas de juro, a qualidade do bom gestor vai fazer muita diferença?, observa Marcelo Rudge Ribeiro, presidente da seguradora Canada Life.

Por fim, a dúvida derradeira de muitos investidores: e se a instituição da qual comprei o plano quebrar, como aconteceu no passado com os antigos montepios? Para evitar que essa cena se repita, a Susep, órgão que regulamenta o mercado de seguros, tem estreitado a fiscalização. Todos os planos de aposentadoria necessitam de aprovação prévia do órgão regulador antes de ser lançado no mercado. Dessa forma, a Susep controla e fiscaliza se a empresa não está prometendo mais do que realmente pode entregar. O investidor também tem um papel a cumprir na defesa de seus próprios interesses. Um deles é verificar como e onde seu dinheiro é aplicado.

Uma vez ciente da política de investimentos do fundo, também é importante acompanhar periodicamente o rendimento do produto. No Itaú, por exemplo, o investidor pode verificar a rentabilidade por diferentes canais, como caixa eletrônico, internet, call center ou agência. ?Oferecemos vários canais para o participante não se esquecer de acompanhar o plano?, diz Osvaldo do Nascimento, diretor executivo de Vida e Previdência do Itaú. Ter um futuro garantido dá trabalho, mas compensa.

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