Notícias | 12 de novembro de 2021 | Fonte: Conjur

A obrigatoriedade da comprovação do pagamento do Seguro na ação regressiva

Como é cediço, a sub-rogação é o direito que a seguradora tem de cobrar, inclusive judicialmente, o suposto responsável ou causador dos prejuízos por sinistro que a seguradora tenha indenizado o seu segurado. Ações dessa natureza, inclusive, são bastante comuns na área do Direito Marítimo, em que os seguradores — em tese, como veremos adiante — indenizam seus segurados com base em avarias supostamente causadas pelos transportadores marítimos e, posteriormente, buscam o ressarcimento.

De acordo com o artigo 786 do Código Civil, a seguradora detém as mesmas prerrogativas do titular originário do direito. Considerando que a seguradora irá ocupar o espaço que antes era ocupado pelo credor originário, ela detém todos os direitos e também deveres que o credor originário detinha anteriormente, sendo ilógico que o novo credor absorva novos direitos e/ou deveres que antes não eram possuídos pelo credor originário.

Para tanto, o dispositivo supracitado e também o artigo 346 do mesmo diploma legal dispõem que a sub-rogação somente se efetiva com a realização do pagamento feito pela seguradora ao seu segurado. O entendimento também foi sedimentado com a edição da Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe que “o segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo o que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro”.

Sendo assim, o pagamento da indenização ao segurado é pressuposto da sub-rogação que fundamenta a ação regressiva.

Por essa razão, temos que a legitimidade da seguradora para ajuizar ações regressivas em face do transportador marítimo e/ou outro eventual causador do suposto dano decorre da efetiva comprovação do pagamento do seguro. Podemos entender como uma efetiva comprovação do pagamento do seguro a apresentação de uma prova idônea, como, por exemplo, o demonstrativo da operação bancária emitido pela instituição bancária através da qual realizou-se o pagamento, ou seja, uma prova segura e produzida por terceiro não interessado.

O que vem acontecendo com uma certa frequência, no entanto, é que as seguradoras — alegadamente sub-rogadas nos direitos do seu segurado — vêm ajuizando ações regressivas sem apresentar o devido comprovante de pagamento. Muitas vezes, no lugar de documentos idôneos e confiáveis, as seguradoras apresentam apenas telas sistêmicas, alegando que tal prova seria suficiente para comprovar sua legitimidade, pautando-se apenas na alegada responsabilidade objetiva do transportador, sem, no entanto, comprovar corretamente a mínima existência do seu direito e da sua legitimidade.

As telas de sistema utilizadas pelas seguradoras para comprovar o pagamento do seguro, no entanto, são provas produzidas de forma unilateral, que não gozam de fé pública, sendo passíveis de alteração e que, além disso, não atendem aos requisitos da quitação previstos no artigo 320 do Código Civil, não sendo, portanto, documentos hábeis para a finalidade de comprovar a sub-rogação da seguradora.

Por essa razão, os tribunais pátrios cada vez mais vêm se manifestando, de forma corretíssima, no sentido de que a comprovação do pagamento do seguro nesses casos, através de uma prova segura, é essencial nessas ações para que se comprove a configuração da sub-rogação. Vejamos, exemplificamente, alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre o tema:

“APELAÇÃO — AÇÃO REGRESSIVA DE SEGURO — R. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA — AUSÊNCIA DE PROVA DA SUB-ROGAÇÃO — APELANTE NÃO TROUXE AOS AUTOS DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO A SEU SEGURADO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA” (TJ-SP, Apelação Cível 1029478-38.2019.8.26.0562, Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado, Relator (a): CARLOS GOLDMAN, Julgamento: 7/10/2020).

“APELAÇÃO. Fornecimento de energia elétrica. Ação regressiva de ressarcimento de danos. Cerceamento de defesa e ilegitimidade ativa ‘ad causam’. Preliminares rejeitadas. Sentença de procedência. Inconformismo da ré, visando a reforma total. Artigo 786, do Código Civil. Sub-rogação legal que depende da prova do efetivo pagamento ao segurado. São insuficientes os ‘prints’ da tela do computador para provar a regular quitação. A ausência da prova do pagamento da indenização securitária conduz à improcedência da demanda regressiva, por força do artigo 373, I, do Código de Processo Civil. Sentença reformada, para julgar a ação improcedente, respondendo a apelada pela sucumbência. Verba honorária arbitrada em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do artigo 85, §8º, do CPC. Recurso provido” (TJ-SP; Apelação Cível 1003340-96.2018.8.26.0100; Órgão Julgador: 21ª Câmara de Direito Privado; Relator (a): SILVEIRA PAULILO; Julgamento: 25/3/2019).

APELAÇÃO — AÇÃO DE REGRESSO POR INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA — TRANSPORTE DE CARGA — DEMANDA MOVIDA PELA SEGURADORA EM FACE DA ENCARREGADA DO TRANSPORTE — SENTENÇA DE EXTINÇÃO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, NOS TERMOS DO ARTIGO 485, VI, DO CPC. Inconformismo da autora — Sentença que julgou extinta a ação, por ilegitimidade ativa — Regulação de sinistro aponta dois valores de prejuízos, sendo que nenhum deles confere com o prejuízo afirmado pela autora — Seguradora que não comprou satisfatoriamente o quantum devido a título de pagamento da indenização ao segurado para fins de configurar a sub-rogação e fundar a pretensão regressiva — Extinção, sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, VI, do CPC, que é de rigor. SENTENÇA MANTIDA — RECURSO DESPROVIDO” (TJ-SP; Apelação Cível 1003164-20.2018.8.26.0100; Relator (a): Sergio Gomes; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível — 32ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/10/2018; Data de Registro: 17/10/2018).

“APELAÇÃO. AÇÃO REGRESSIVA. Seguro. Transporte Marítimo. Ausência de prova da sub-rogação da seguradora. Documentos juntados inábeis a comprovar cabalmente o pagamento da indenização ao segurado. Inteligência dos artigos 320 e 786 do CC. Existência de prévias oportunidades para apresentar prova regular da quitação. Extinção do processo. Sentença reformada. Recurso provido” (TJ-SP; Apelação Cível 1003771-04.2016.8.26.0003; Relator (a): FLÁVIO CUNHA DA SILVA; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Julgamento: 7/2/2018)

Cabe dizer que o ônus de comprovar o pagamento, naturalmente, é da parte demandante, sendo incabível cogitar a transferência à parte adversa do não pagamento, porquanto a obrigaria a demonstrar fato negativo. Ora, vê-se que essa prova é de fácil produção, notadamente nos dias de hoje, em que as transações são feitas por meio da internet e a propagação das informações ocorre tão rapidamente, sendo bastante questionável quando a mesma não é apresentada nos autos pela seguradora.

Por todas as razões expostas, o comprovante de pagamento do seguro idôneo, nestes casos, deve ser entendido como uma prova essencial e que deve ser apresentada junto à inicial, pois se trata de um documento essencial para o próprio ajuizamento da ação, nos termos do artigo 435 do Código de Processo Civil, sob pena de causar uma enorme segurança jurídica, além de possibilitar o enriquecimento sem causa da seguradora.

Sendo assim, as seguradoras devem se atentar em diversos momentos antes de cogitar o ajuizamento de uma ação em face do eventual causador do dano, na qualidade de seguradora sub-rogada.

Para além de terem de verificar minuciosamente se aquele sinistro é passível de ser indenizado antes de realizar o pagamento — exemplificamente, se o evento está coberto pelos termos da apólice ou se aquele direito alegado pelo seu segurado não está prescrito ou caduco —, após a realização do pagamento e no momento prévio ao ajuizamento da ação regressiva, devem as seguradoras verificar se estão munidas de prova idônea relativa ao pagamento do seguro, sob pena de não serem consideradas, corretamente, as legítimas possuidoras do direito que alegam existir.

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