Notícias | 12 de maio de 2022 | Fonte: ConJur

A hora dos microsseguros

Por Thiago Junqueira e Igor Násser

O aumento da inflação experimentado pelo Brasil nos últimos tempos cria inúmeras dificuldades, especialmente à população em situação de vulnerabilidade social e ao pequeno empresariado. Apertar o cinto torna-se um exercício inevitável quando gastos mínimos, como os relativos à alimentação e à moradia, são desafios mensais. Sob esta óptica, o consumo de produtos e serviços não “essenciais” pelos mais necessitados, incluindo os seguros, é desestimulado.

Lamentavelmente, juízos de prioridade tendem a afastar a contratação de seguros — que é destinada à garantia de interesse legítimo “relativo a pessoa ou a coisa” (artigo 757 do Código Civil). Afinal, o que faria mais sentido em meio à escassez — pagar prêmio para proteger a vida humana ou adquirir alimentos e remédios para torná-la organicamente viável? Proteger o carro ou abastecê-lo?

Sem embargo, para viabilizar a contratação de seguros nessas circunstâncias, os microsseguros afiguram-se uma excelente opção. O presente artigo busca tirar da sombra os contornos essenciais dessa modalidade de seguros, apontando o seu grande potencial de expansão.

Mas, afinal, o que são microsseguros? Os microsseguros, que têm uma história recente, começaram a ser alavancados no Brasil a partir de 2008 com a edição do Ato CNSP nº 10 — que criou a Comissão Consultiva de Microsseguros. De acordo com o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), são classificados como microsseguros os planos de seguros desenhados para um público-alvo específico: população de baixa renda, microempreendedores individuais, microempresas ou empresas de pequeno porte. Para a Associação Internacional de Supervisores de Seguros, por sua vez, microsseguros podem ser entendidos como seguros acessíveis à população de baixa renda e que funcionam a partir de práticas aceitáveis de comercialização.

Cumpre, desde logo, pontuar que microsseguros não se confundem com o seguro popular, mas coexistem com ele, uma vez que o microsseguro “está direcionado para as necessidades específicas das famílias de baixa renda, enquanto o seguro popular é para todos os tipos de consumidores e apenas significa seguro de pequenos valores”.

Os planos de microsseguros poderão ser estruturados com coberturas de danos (como para incêndio, raio e explosão) e de pessoas (a exemplo de morte e invalidez permanente total por acidente), em conjunto ou isoladamente. Deverão ser estruturados em regime financeiro de repartição, apresentar clausulado escrito com linguagem simples, amigável e de fácil entendimento, identificando claramente os riscos cobertos, os excluídos e as demais disposições que gerem direitos e obrigações. Ademais, devem evitar a adoção excessiva de restrições e de riscos excluídos, bem como prever prazos tempestivos e aderentes às necessidades de seu público-alvo para a liquidação de sinistros como resultado da adoção de processos de regulação de sinistros eficientes e rápidos.

Os microsseguros foram objeto de atenção recente do Conselho Nacional de Seguros Privados, que editou, em 2021, a Resolução CNSP nº 409 sobre os princípios e as características gerais para a operação dos seguros classificados como microsseguros. Para examinar a função e a essência dos microsseguros, vale recuperar a regulação revogada, que trazia maior detalhamento acerca da matéria. Nas linhas seguintes, serão brevemente apresentadas algumas características interessantes, já conferidas aos microsseguros pela autoridade competente no passado, que denotam que toda a formatação dos microsseguros é pensada para descomplicar a sua contratação.

Até 2/8/2021, esteve em vigor a Circular Susep nº 440/2012, que estabelecia parâmetros obrigatórios para os planos de microsseguros e dispunha sobre as suas formas de contratação, inclusive com a utilização de meios remotos. Com efeito, era disposto que a vigência das coberturas oferecidas em planos de microsseguros era, obrigatoriamente, de um mês, sendo que o prazo mínimo de vigência do microsseguro de viagem era de um dia, o que se diferia das apólices tradicionais de seguro, em regra com vigência de um ano.

Em relação ao recolhimento do prêmio em sede de microsseguros, podia ser realizado por meio de contas de consumo, carnês, boletos, faturas de cartões de crédito ou descontos em folha de pagamento do segurado/participante. Pelo artigo 8º da Circular Susep nº 440/2012, os valores de limite máximo de garantia, de capital segurado e/ou de benefício para as coberturas oferecidas em planos de microsseguros deveriam observar os limites máximos individuais por cobertura preestabelecidos no normativo. Para as coberturas de morte, morte acidental e invalidez permanente total por acidente, por exemplo, os limites máximos correspondiam a R$ 30 mil.

Atualmente, com a Resolução CNSP nº 409/2021, em que pese a ausência de critérios objetivos, tem-se que o estabelecimento do limite máximo para pagamento de indenização, para as coberturas de danos, e do capital segurado, para as coberturas de pessoas, deverá observar a natureza, o objetivo e as características da cobertura (artigo 4º). Nada foi mencionado, nessa sede, sobre a duração dos microsseguros e a forma de recolhimento dos prêmios.

A nova normativa, logo se nota, tem como característica uma abordagem mais principiológica e menos exauriente, aumentando o espaço de manobra às partes envolvidas na operação.

Para além de os microsseguros terem um público-alvo particular de segurados, eles trazem a reboque um ecossistema securitário um pouco diferenciado: as sociedades seguradoras que operam microsseguros, denominadas microsseguradoras, necessitam de autorização específica para tanto e existe a figura do corretor de microsseguros.

É preciso mencionar, porém, o artigo 5° da Resolução CNSP nº 409/2021, que afirma: “Aplicam-se às operações de microsseguros as regras e critérios regulamentares vigentes sobre as operações de seguros, desde que não contrariem as disposições desta Resolução”. Assim, terão que ser observadas pelas microsseguradoras, à guisa de ilustração, normas como as de boas-práticas no setor de seguros (Resolução CNSP nº 382/2020) e as sobre a aceitação e a vigência do seguro e sobre a emissão e os elementos mínimos dos documentos contratuais (Circular Susep nº 642/2021).

Navegando em outras águas, os microsseguros têm como características inclusão, simplicidade, foco no cliente, acessibilidade, transparência, proporcionalidade, sustentabilidade, educação financeira e inovação. Aqui, destaca-se a inovação como um dos vetores básicos dos microsseguros (artigo 2º, inciso IX, da Resolução CNSP nº 409/2021). Não por acaso, o Edital Susep n.º 1 de 26/07/2021 possibilitou aos interessados em participar do Sandbox Regulatório operarem algumas coberturas dos ramos de microsseguros, conforme previsão do item 3 (elegibilidade) na forma do inciso VII, do Anexo II, do referido Edital.

De fato, considerando-se os destinatários dos microsseguros, é desejável o surgimento de modelos de negócios disruptivos que permitam a sua contratação simplificada, democratizando ainda mais o acesso aos seguros, visando ao resguardo da população de baixa renda e do pequeno empresariado.

Se, por um lado, os órgãos reguladores já fizeram minimamente a sua parte, por outro, tem-se que o potencial dos microsseguros no mercado brasileiro ainda está subexplorado. Soluções como a dos microsseguros paramétricos podem avançar a passos largos no País, bastando bons projetos de implementação.

Por isso mesmo, pode-se dizer que está na hora de se apostar em microsseguros, que têm a capacidade de, a um só tempo, movimentar a economia em enfrentamento à alta da inflação e cumprir a importante função social de proteção aos mais necessitados, desestimulados a adquirir seguros pelas vias tradicionais.

Nas palavras oportunas de Marcio Coriolano, é chegado o tempo de o microsseguro “deixar de ser um degrau e virar uma plataforma”.

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