Notícias | 17 de setembro de 2004 | Fonte: Valor Econômico

A Cédula de Produto Rural e o seu seguro

`Há um cenário propício à entrada de novos agentes de fomento das atividades agrícolas `

Por Marcelo Mansur Haddad

O agronegócio é sem dúvida a grande vedete da economia nacional dos últimos anos. Seu desempenho surpreendente vem impulsionando outras áreas da economia direta e indiretamente relacionadas, tais como as de insumo, ferramental e maquinário. No entanto, a atividade agrícola revela-se muito dependente de financiamento. O agricultor normalmente necessita da antecipação de fundos para adquirir insumos e cultivar a safra que irá colher.

Foi justamente dentro deste contexto que o governo federal, há dez anos, em 22 agosto de 1994, instituiu, pela Lei nº 8.929 – mais tarde alterada pela Lei nº 10.200/01 – a Cédula de Produto Rural (CPR). De natureza cambial, a CPR, emitida por produtor rural ou suas associações, inclusive cooperativas, representa uma promessa de entrega de produtos por seu emitente. Algumas CPRs podem prever pagamento em dinheiro, designando-se CPR financeira em contraposição à CPR de entrega física. Esta promessa pode ser reforçada por garantias reais cedularmente constituídas, dentre qualquer uma das seguintes modalidades: hipoteca, penhor ou alienação fiduciária. Ademais, por lei, o bem vinculado à CPR não pode ser objeto de penhora ou seqüestro decorrente de outras dívidas de seu proprietário.

Presta-se então a CPR como instrumento de financiamento de safras ou da compra de insumos, bem como mecanismo de garantia destas mesmas dívidas. O adquirente da colheita futura ou o banco financiador antecipam os recursos para a produção ou o fornecedor entrega insumos ao produtor, recebendo em troca CPRs com ou sem garantias cedulares. Do outro lado, fechando o ciclo, investidores institucionais (incluindo seguradoras) e outros aplicadores adquirem tais CPRs como ativos financeiros negociados em bolsa ou em balcão, conferindo-lhes certa liqüidez.

Recentemente, em 9 de julho de 2004, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) atualizou a regulamentação relativa ao chamado seguro CPR. Emitiu a Circular nº 261, que aprimorou o instituto e revogou a Circular nº 248/04.

Referido seguro é de grande relevância para a atividade agrícola do país, pois amplia as possibilidades de utilização da CPR como meio de fomento, financiamento e garantia, permitindo que as obrigações do emitente constantes do título sejam garantidas por uma seguradora. Neste caso, como é da natureza da atividade securitária, transfere-se a este mercado (seguradores/resseguradores) o risco de inadimplência do produtor rural, devendo a seguradora indenizar o credor em caso de sinistro.

A Susep atualizou a regulamentação relativa ao chamado seguro CPR e emitiu a Circular nº 261, que aprimorou o instituto

Importante notar, porém, que, à exceção de certos riscos de força maior listados na circular, o seguro CPR funciona como um típico seguro-garantia: o produtor contrata junto à seguradora a emissão da apólice em favor do credor da CPR e, caso haja o inadimplemento do produtor e a seguradora pague a indenização securitária, esta irá recuperar daquele, com base no contrato de contra-garantia, todos os valores por ela desembolsados em razão da apólice sinistrada. Ademais, como no seguro-garantia, o não-pagamento do prêmio pelo produtor não leva ao cancelamento da apólice, permanecendo esta em vigor até o cumprimento da obrigação objeto da CPR.

Contudo, contrariamente às regras do seguro-garantia, segundo as quais o pagamento da indenização ocorrerá em até 30 dias da entrega dos documentos necessários para a seguradora proceder à regulação do sinistro, a Circular nº 261/04 dispõe que, com relação às CPRs oferecidas como ativo garantidor ou integrante de carteira de Fundo de Investimento Especialmente Constituído (FIE), o pagamento da indenização será feito no dia útil após seu vencimento, ser for uma CPR financeira, ou em até dez dias úteis, se for uma CPR de entrega física. Caso, porém, se configure, ao fim do processo de regulação, que o pagamento da indenização foi indevido, a seguradora adotará as medidas cabíveis para recuperar os valores desembolsados. Aliás, neste contexto, um dos grandes objetivos da Circular nº 261/04, se comparada à anterior, foi o de acentuar as distinções do seguro CPR quando este se relacione ou não a CPRs utilizadas como ativo garantidor ou integrante de carteira de FIE.

Outro aspecto relevante das regras em vigor trata da questão da entrega da mercadoria. Como a CPR, ainda que de entrega física, pode ser objeto de investimento puramente financeiro, permitiu-se sua liquidação em dinheiro, desde que com a anuência do segurado. Evita-se assim que um investidor institucional seja compelido a receber mercadorias que não lhe interessam.

Por fim, há ainda dois fatores adicionais que podem tornar o seguro CPR um produto mais atrativo. Em 19 de dezembro de 2003, o governo federal promulgou a Lei nº 10.823, que criou a subvenção econômica ao prêmio do seguro rural, a qual foi regulamentada em junho pelo Decreto nº 5.121. Através deste mecanismo, pretende-se tornar o seguro rural mais acessível ao produtor, barateando seu custo. Embora a determinação final dos seguros que de fato gozarão de tais benefícios esteja nas mãos do recém criado Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural, o seguro CPR, por encaixar-se neste ramo, pode vir a ser contemplado com este benefício. Ademais, deve-se lembrar que, por força do próprio Decreto-Lei nº 73/66, gozam os seguros rurais, dentre eles o seguro CPR, de isenção de tributos federais.

Em função do acima exposto, especialmente do recente desenvolvimento de um produto de seguro acoplado à CPR e de sua possível subvenção estatal, pode-se vislumbrar um cenário propício à entrada de novos agentes de fomento das atividades agrícolas brasileiras sem pecarmos por um otimismo exagerado.

Marcelo Mansur Haddad é advogado e sócio responsável pela área de seguros do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. E Quiroga Advogados

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